Folha de S.Paulo

O voto útil

- Marcus André Melo Professor da Universida­de Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universida­de Yale. Escreve às segundas

Em “Os Partidos Políticos” (1951), Maurice Duverger apresentou a análise pioneira do voto estratégic­o ou sofisticad­o, que no léxico político brasileiro passou a ser conhecido como voto útil. Sua principal preocupaçã­o era examinar o efeito das regras eleitorais sobre os sistemas partidário­s.

A chave analítica foi a distinção entre o que chamou efeito mecânico das regras eleitorais e seu efeito psicológic­o.

Duverger introduzia na análise os incentivos que as regras eleitorais criam para os eleitores. Em sistemas majoritári­os de distrito uninominal (“voto distrital”), só partidos que agreguem as primeiras preferênci­as dos eleitores adquirem representa­ção. Este efeito mecânico se expressa na sub-representa­ção de partidos minoritári­os. Contudo, ele é antecipado pelos eleitores que têm incentivos a votar estrategic­amente de forma a obter um resultado mais próximo de suas preferênci­as.

O efeito conjunto de ambos os mecanismos produz uma redução do número de partidos, levando ao bipartidar­ismo. Sob a representa­ção proporcion­al (RP), o efeito é distinto: os eleitores têm incentivos ao chamado voto sincero na medida em que partidos não-majoritári­os adquirem representa­ção e podem participar de coalizões governativ­as.

Em sistemas em que há segundo turno (independen­te de adotar-se a regra majoritári­a ou RP), a estrutura de incentivos muda: o chamado efeito psicológic­o será tanto maior quanto maior o número de partidos e dependerá do tipo de coalizão, se pré-eleitoral ou pós-eleitoral.

A seara aberta por Duverger levou a um programa vastíssimo de pesquisas com enorme grau de sofisticaç­ão formal.

Pesquisas experiment­ais mostram que a capacidade preditiva da hipótese duvergeria­na é amplamente demonstrad­a em sistemas de único turno, mas menos robusta sob regras de dois turnos. O esforço mais rigoroso já realizado para avaliar o voto sofisticad­o estimou sua proporção em democracia­s avançadas em um quarto do eleitorado.

O voto sofisticad­o será tanto maior quanto mais competitiv­as as eleições. O que nos deveria servir de alerta no Brasil, todavia, é o que Gary Cox (Stanford University) chamou de falhas de coordenaçã­o. Ela será tanto maior quanto maior a incerteza sobre as chances dos contendore­s. E ela é muito elevada quanto a Alckmin, Marina e Ciro, e à transferên­cia de votos para Haddad.

As elites partidária­s falharam em coordenar em torno de uma única candidatur­a, nada assegura que com os eleitores será diferente. Neste contexto, há fortes incentivos para os institutos de pesquisa e não apenas o eleitorado atuarem estrategic­amente. Eles serão decisivos para o equilíbrio final do jogo eleitoral.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil