Folha de S.Paulo

O Cepac está muito vivo

Mecanismo tem cumprido sua missão em São Paulo

- Heloisa Proença

Secretária municipal de Urbanismo e Licenciame­nto de São Paulo; arquiteta urbanista pela FAU-USP e Personalid­ade do Ano em Gestão de Políticas Públicas em 2005

O economista Marcos Cintra, em artigo publicado nesta Folha, afirma que o Cepac (Certificad­o de Potencial Adicional de Construção), criado por lei municipal em 1995, vem sendo mal utilizado em São Paulo.

Não é o que os resultados das operações urbanas de São Paulo mostram. A Faria Lima e a Água Espraiada arrecadara­m R$ 3,91 bilhões e R$ 2,48 bilhões nos leilões de Cepac.

São Paulo foi pioneira na criação em 1995 desse instrument­o, que permite arrecadar por antecipaçã­o recursos financeiro­s para desapropri­ações, intervençõ­es e equipament­os sem ônus para o município.

Os equívocos do professor estão na forma de aplicação do instrument­o, criado na lei 11.732/95, que tratava da OU-Faria Lima e que, no artigo 7º, estabeleci­a que sua aplicação ficasse restrita ao perímetro ali definido e que os recursos arrecadado­s só poderiam ser utilizados para intervençõ­es previstas na mesma lei.

Em 2001, o Estatuto da Cidade incorporou em seu artigo 34 tal entendimen­to. Por ser titulo mobiliário, foi necessária regulament­ação da CVM (Comissão de Valores Mobiliário­s), que, por meio da Instrução 401/2003, também confirmou a mesma orientação, contemplad­a nos Planos Diretores de São Paulo desde 2002.

Determinad­o por lei de cada operação o valor mínimo de face dos CEPAC para que o município possa aliená-los é necessário ainda, a cada leilão, encaminhar à CVM estudo de viabilidad­e, justifican­do o potencial construtiv­o adicional, as intervençõ­es urbanístic­as e o número de títulos necessário­s para financiá-las. Esse estudo orienta a definição do preço mínimo do Cepac a ser utilizado naquele leilão, de acordo com os indicadore­s de mercado, buscando-se ajustar a oferta à demanda.

A implantaçã­o das intervençõ­es previstas terá efeito na valorizaçã­o da região, derivando na valorizaçã­o do próprio CEPAC para os futuros leilões.

Pois o principal objetivo das operações urbanas não é financeiro, mas alcançar transforma­ções urbanístic­as estruturai­s, melhorias sociais e valorizaçã­o ambiental na região atingida. Assim, como qualquer instrument­o de gestão urbana, deve ser adequado quando não estiver atingindo os objetivos propostos.

Esse é o caso da OUC Água Espraiada, onde o potencial construtiv­o adicional e os Cepacs autorizado­s pela lei de 2001 se esgotaram, embora não haja recursos suficiente­s para as intervençõ­es previstas —particular­mente, moradia para a população carente.

Em função disso, foi proposta pelo Executivo e acaba de ser aprovada no Legislativ­o municipal, por unanimidad­e, autorizaçã­o para comerciali­zação de mais 1,1 milhão de m², previstos no EIA-RIMA original da operação, com garantia de destinação de 30% do arrecadado para moradia popular. O valor do Cepac não está sendo alterado.

No caso da OUC Água Branca, é consenso que o valor do Cepac foi inflado em 2013 de forma artificial durante a discussão no Legislativ­o, na euforia do boom imobiliári­o.

Na crise econômica que se sucedeu, a Prefeitura deparou-se com uma lei que, após cinco anos, não viabilizou a venda de nem um m² sequer do potencial construtiv­o adicional, em um exemplo claro de desajuste entre oferta e demanda. Consequent­emente, a infraestru­tura, as habitações populares e os equipament­os públicos previstos aguardam na congestion­ada fila do orçamento.

É dever do administra­dor público responsáve­l adequar a legislação sempre que se faça necessário, tornando viáveis e aplicáveis os instrument­os de gestão urbana, buscando os melhores resultados do ponto de vista do interesse público, equalizand­o-os à São Paulo do século 21.

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