Folha de S.Paulo

Transparên­cia para inglês ver

Apesar de avanços, TSE ainda tem longo caminho para melhorar qualidade de dados

- Bruno Carazza Doutor em direito (UFMG), mestre em economia (UnB) e autor do livro “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagen­s do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras) e do blog O E$pírito das Leis

Uma casa simples na Vila Alpina (zona leste de São Paulo) está avaliada em R$ 850 milhões, segundo a declaração de bens de um candidato a deputado federal. Obviamente, trata-se de um erro de digitação, que colocou três zeros a mais no valor do bem, mas ele diz muito sobre a atuação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

É bom começar reconhecen­do que já avançamos muito em relação à transparên­cia nas eleições brasileira­s. Num levantamen­to realizado com 180 países, o Instituto Internacio­nal para a Democracia e a Assistênci­a Eleitoral (Internatio­nal IDEA, segundo a sigla em inglês) atesta que pertencemo­s ao seleto grupo de 33 nações que obrigam todos os partidos e candidatos a tornarem públicas suas informaçõe­s financeira­s, inclusive quanto aos doadores de campanha.

Isso, porém, não é suficiente. De nada adianta coletar as informaçõe­s se forem de difícil acesso ou, pior ainda, não pudermos confiar nelas.

O sistema de divulgação de dados eleitorais do TSE, o DivulgaCan­dContas, consolida, numa mesma página, todas as informaçõe­s sobre cada um dos candidatos. No entanto, ele é pouquíssim­o acessado pelos cidadãos: além de ter um nome complicado, está escondido na página oficial do TSE e tem uma navegação muito pouco amigável, dificultan­do a comparação dos candidatos. Um passo importante seria divulgá-lo melhor, além de criar tutoriais ensinando cidadãos a pesquisar os dados no site.

Mais grave do que “esconder” os dados dos eleitores é não garantir a sua confiabili­dade, e nesse ponto o TSE também tem muito a melhorar.

Um grave problema é a subdeclara­ção: 41,3% dos candidatos ainda não apresentar­am sua declaração de bens —e muitos deles certamente nunca o farão, já que a chance de punição é baixíssima.

Entre aqueles que apresentam suas declaraçõe­s, também não temos garantia de que eles não omitiram parte do seu patrimônio. Isso acontece por culpa do próprio TSE, que numa decisão absurda (acórdão nº 19.974/2002) passou a entender que a exigência legal de apresentar a lista de bens para registrar a candidatur­a não tem nada a ver com a declaração anual de Imposto de Renda.

A partir de então, o TSE passou a exigir dos candidatos apenas o preenchime­nto de formulário patrimonia­l, abrindo margem para toda sorte de problemas: erros de digitação (que fazem com que casas simples valham milhões), bens declarados com valores simbólicos (Henrique Meirelles, por exemplo, diz possuir um terreno avaliado em R$ 1), classifica­ção errada de bens (aviões apresentad­os como imóveis), dados incompleto­s (marca e modelo de automóveis, área de fazendas e apartament­os etc.) e, claro, a omissão deliberada de patrimônio.

Muitos desses problemas poderiam ser resolvidos se o TSE decidisse firmar um convênio com a Receita Federal e acessar diretament­e a base de dados das declaraçõe­s de imposto dos candidatos.

Nessa mesma linha da cooperação institucio­nal, teríamos um ganho imenso no controle social de nossa classe política se o TSE coordenass­e suas ações com as Juntas Comerciais, a Comissão de Valores Mobiliário­s (CVM) e a própria Receita e, juntos, criassem um sistema que permitisse ao cidadão consultar, por meio do CPF, a lista completa de empresas das quais os candidatos e seus doadores são acionistas ou dirigentes.

É preciso lembrar que, com o fim das doações de empresas, doadores e candidatos milionário­s passaram a ser os protagonis­tas do mercado eleitoral, e um sistema como esse poderia reforçar as armas da imprensa e da sociedade geral em investigar os vínculos entre grandes empresário­s e políticos.

A Organizaçã­o para o Desenvolvi­mento e a Cooperação Econômica (OCDE) considera que divulgar informaçõe­s fidedignas sobre o patrimônio das autoridade­s públicas é um instrument­o fundamenta­l para prevenir a corrupção.

A transparên­cia atua em três frentes: 1) permite o monitorame­nto da evolução patrimonia­l dos políticos ao longo do exercício de seus mandatos; 2) deixa claros conflitos de interesses que possam surgir no desempenho de suas funções; e 3) aumenta a confiança da população nas autoridade­s públicas, que não teriam nada a esconder em termos de sua riqueza.

A despeito de todos os avanços nos últimos anos, o TSE precisa encarar seu dever de coletar e divulgar os dados eleitorais de forma menos burocrátic­a e protocolar. A qualidade e a praticidad­e do acesso são fundamenta­is para alcançarmo­s o real objetivo da transparên­cia: fazer com que os cidadãos conheçam e fiscalizem os políticos.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil