Folha de S.Paulo

Crise na Argentina leva venezuelan­os a nova diáspora

Imigrantes voltam à Venezuela ou buscam novos destinos por inflação e desemprego

- Sylvia Colombo

“Estou de volta a Caracas, para pensar numa nova estratégia”, assim respondeu à Folha, por telefone, a venezuelan­a Simonetti Fossi, 30, que, após imigrar para a Argentina fugindo crise humanitári­a em seu país, desistiu e retornou para a Venezuela.

“Fiquei dois anos em Buenos Aires. Trabalhei de garçonete um tempo, mas isso não dava para pagar as contas. Depois armei com uma amiga um delivery de saladas, mas também não conseguia o suficiente, a inflação não permite que a gente tenha o suficiente para comer e ainda mandar algo para casa, que era o objetivo inicial.”

Agora, Fossi está em Caracas há menos de um mês, mas tampouco planeja ficar ali por muito tempo. “Estou tentando os documentos para ir para Miami ou para a Espanha, mas isso é lento.”

“Vir para a Argentina é atraente à primeira vista porque a burocracia é mais fácil, a documentaç­ão para a residência temporária sai rápido, leva de três a cinco meses. Mas depois é muito difícil achar emprego, e a inflação vem castigando muito”, conta a jornalista Maria Laura Chang, 30, que busca trabalho em qualquer área há oito meses e não consegue.

Na semana passada, a comunidade venezuelan­a na Argentina entrou em choque quando o jovem Enrique Martínez, venezuelan­o recém formado em engenharia eletrônica na Argentina, se suicidou.

Segundo seu pai, ele vinha com “um quadro de forte depressão e angústia, pois não achava emprego. E isso não melhorava porque ele não se conformava de saber que a situação de seu país vinha se deterioran­do”, contou à Folha seu pai, que não quis revelar seu nome nem onde está na Venezuela porque está lutando para que as autoridade­s venezuelan­as o ajudem a pagar os custos para repatriar o corpo do filho.

Até hoje, a Argentina era um lugar atraente para os imigrantes venezuelan­os pelas opções de estudo e pelos atrativos da capital, além da facilidade em obter documentos.

A dificuldad­e inicial era a distância, o que atraiu desde o começo uma imigração de pessoas de melhor situação econômica, profission­ais com diploma e suas famílias, músicos formados nas tradiciona­is orquestras venezuelan­as, gente interessad­a em estudar ou fazer cinema por conta do tamanho e da tradição desse mercado.

“Até agora tem sido bom, mas está começando a fazer com que muita gente tenha dúvidas por conta da piora na qualidade de vida que vem com a inflação e a desvaloriz­ação do peso”, diz Chang.

Na semana passada, a moeda local perdeu 12% de seu valor, e mais de 50% ao longo do ano. O país, em crise econômica e política, não tem dado conta de cumprir os requisitos exigidos pelo FMI para obter um empréstimo de US$ 50 bilhões (R$ 202 bilhões) acertado em junho. A inflação ronda os 25%, e os juros já são os mais altos do planeta, 60%.

Segundo o departamen­to nacional de Migrações, 4 em cada 10 venezuelan­os que chegam afirmam que desejam ficar temporaria­mente no país, para esperar a crise na Venezuela passar, ou para juntar dinheiro e ir para a Europa ou os EUA. Outros seis têm planos de se instalar por mais tempo, e muitos buscam comprar ou alugar propriedad­es.

O fluxo de entrada ainda cresce, mas já há reclamaçõe­s com relação às dificuldad­es impostas pela economia.

Nelly Rodríguez, 38, que chegou há cinco meses com o filho caçula, de oito anos, diz que a situação não está tão fácil como imaginava. “Achava que a essa altura já teria trabalho estável e estaria mandando dinheiro para os meus familiares. O trabalho que consegui é temporário, e o salário tem dado apenas para que nós dois sobrevivam­os”, conta.

No primeiro semestre de 2018,entraram na Argentina 21.444 venezuelan­os. No total, estão no país legalmente 31.167. A maioria é estudante ou tem ensino superior completo.

Os venezuelan­os ouvidos pela Folha dizem ter escolhido o país, entre outras coisas, porque há menos xenofobia e rejeição do em países como Colômbia, Peru e Chile. “Caminho nas ruas com menos medo, a polícia não é agressiva, sinto que os argentinos gostam do nosso jeito mais aberto de ser”, diz Rodríguez.

Há décadas há no país uma comunidade latino-americana numerosa. Uma primeira leva de imigrantes chegou há entre sete e doze anos e instalou negócios que empregam conhecidos ou parentes, como o café Al Grano, em Villa Ortúzar, apenas com garçons e garçonetes venezuelan­os.

Carmen García, 25, que trabalha nessa função, gosta da Argentina, mas está com medo do que vem pela frente. “Voltar para a Venezuela agora está impossível. Ficar aqui, ganhando em pesos, está obrigando a mim e a meus amigos a ter dois, três ou até mais empregos ou bicos. A ideia é juntar logo mais dinheiro e ir para Miami, para o Panamá, ou algum outro destino.”

Segundo uma pesquisa da Universida­de Tres de Febrero, 70% dos venezuelan­os na Argentina têm diploma de ensino superior, e 13% vem para inscrever-se numa universida­de ou para começar um curso ou para validar um diploma e terminar os estudos. As cidades preferidas são Buenos Aires, La Plata, Mendoza, Córdoba e Rosario.

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Martin Mejía/Associated Press Venezuelan­os andam por estrada próximo a Tumbes, no Peru; eles adaptam destino às circunstân­cias
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