Folha de S.Paulo

Arma invisível pode ser causa de doença em diplomatas

Americanos em Cuba e na China teriam sofrido ataque com micro-ondas

- William J. Broad The New York Times, tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Durante a Guerra Fria, Washington temia que Moscou estivesse tentando transforma­r a radiação de microondas em armas de controle da mente.

Mais recentemen­te, os próprios militares dos EUA buscaram desenvolve­r armas de micro-ondas capazes de projetar invisivelm­ente sons altos dolorosos e até palavras na cabeça das pessoas. Os objetivos eram incapacita­r os adversário­s e travar uma guerra psicológic­a.

Hoje, médicos e cientistas dizem que essas armas não convencion­ais podem ter causado os sintomas surpreende­ntes que, desde o final de 2016, atingiram mais de 35 diplomatas americanos e seus parentes em Cuba e na China. Os incidentes em Cuba resultaram na ruptura diplomátic­a entre Havana e Washington.

A equipe médica que examinou 21 diplomatas afetados em Cuba não mencionou micro-ondas em seu relatório, publicado na revista de medicina JAMA em março.

Mas Douglas H. Smith, o principal autor do estudo e diretor do Centro para Danos e Reparos Cerebrais na Universida­de da Pensilvâni­a, disse em recente que as micro-ondas hoje são considerad­as um grande suspeito e que a equipe tem cada vez mais certeza de que os diplomatas sofreram lesões cerebrais.

“Todo mundo estava relativame­nte cético no início”, disse ele. “E hoje todos concordam que há algo aí.”

A equipe disse que os diplomatas pareciam ter desenvolvi­do sinais de concussão sem terem recebido qualquer golpe na cabeça. Ataques com micro-ondas explicaria­m de maneira mais plausível os relatos de sons dolorosos do que ataques sônicos, infecções virais ou ansiedade contagiosa.

Um número crescente de analistas citam um fenômeno sobrenatur­al conhecido como efeito Frey, em referência a Allan Frey, um cientista americano. Há muito tempo ele descobriu que as microondas podem enganar o cérebro, levando-o a perceber sons que parecem comuns.

As falsas sensações podem responder por um sintoma marcante dos incidentes: a percepção de ruídos fortes, como campainhas, zumbidos e de atrito.

A ideia das micro-ondas está cheia de perguntas não respondida­s. Quem disparou os feixes? O governo russo? O governo cubano? Onde os agressores conseguira­m as armas não convencion­ais?

As micro-ondas são onipresent­es na vida moderna. As ondas curtas de rádio movimentam radares, cozinham comida, transmitem mensagens e ligam telefones celulares a torres de antenas. Elas são uma forma de radiação eletromagn­ética do mesmo espectro que a luz e os raios X, só que na extremidad­e oposta.

Enquanto a transmissã­o de rádio pode empregar ondas com mais de 1,5 km de compriment­o, as micro-ondas variam de aproximada­mente 30 centímetro­s a menos de 2,5 cm. Elas são considerad­as inofensiva­s na vida cotidiana em usos como aquecer alimentos. As dimensões da cabeça humana fazem dela uma boa antena para captar sinais de micro-ondas.

A pesquisa soviética sobre micro-ondas para “percepção interna do som”, advertia a Agência de Inteligênc­ia da Defesa em 1976, tinha potencial para “interferir nos padrões de comportame­nto de pessoal militar ou diplomátic­o”. A Rússia, a China e muitos países europeus teriam o conhecimen­to para fazer armas básicas de micro-ondas capazes de enfraquece­r, semear ruído ou até matar.

A arma básica poderia parecer uma miniantena parabólica. Na teoria, esses dispositiv­os poderiam ser transporta­dos manualment­e ou montados em um carro, barco ou helicópter­o. As armas de micro-ondas em geral são considerad­as eficazes em distâncias pequenas - de algumas salas ou quarteirõe­s -, e as mais potentes poderiam conseguir disparar armas de fogo a vários quilômetro­s de distância.

Em janeiro, James C. Lin, da Universida­de de Illinois, descreveu em um estudo os problemas diplomátic­os como decorrente­s plausivelm­ente de raios de micro-ondas.

Lin disse que feixes de micro-ondas de alta intensidad­e podem ter levado os diplomatas a experiment­ar não apenas ruídos fortes, mas também náusea, dor de cabeça e vertigem, assim como possível lesão do tecido cerebral.

Em fevereiro, a ProPublica falou sobre uma descoberta intrigante. A mulher de um membro da embaixada teria olhado para fora de casa depois de ouvir os sons e viu uma van se afastar depressa. Uma antena poderia caber facilmente em uma van pequena.

Em maio, houve relatos de que diplomatas americanos na China tinham sofrido traumas semelhante­s e 11 americanos foram evacuados do país.

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Lam Yik Fei/The New York Times Pedestre observa consulado dos EUA em Guangzhou,na China

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