Folha de S.Paulo

Incêndio destrói Museu Nacional; com 200 anos, era o mais antigo do Brasil

Acervo, no Rio, tinha 20 milhões de itens; vice-diretora acredita que quase tudo tenha se perdido

- Nicola Pamplona, Maurício Meireles e Gustavo Fioratti Ricardo Moraes/Reuters Fotos Zo Guimarães - 21.mai.2018/Folhapress Ricardo Moraes/Reuters

Um incêndio de grandes proporções atingiu o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, zona norte do Rio, na noite deste domingo (2). Mais antigo do país e com acervo com mais de 20 milhões de peças, o museu passava por dificuldad­es financeira­s geradas pelo corte em seu orçamento.

O fogo começou por volta de 19h30, depois que a visitação havia sido encerrada —tanto do museu quanto do zoológico, que também fica na Quinta da Boa Vista. Não houve vítimas, segundo os bombeiros, que enviaram cerca de 80 homens e 21 viaturas ao local. A causa do incêndio ainda não havia sido apontada até a conclusão desta edição. Por volta da 1h, ainda havia chamas na lateral do prédio.

Subordinad­a à UFRJ (Universida­de Federal do Rio de Janeiro), a instituiçã­o está instalada em um palacete imperial que completou 200 anos em junho —foi fundada por dom João 6º, em 6 de junho de 1818. O local, onde foi assinada a Independên­cia, também foi residência da família real.

Com seguidos cortes no orçamento, desde 2014 o museu não vinha recebendo a verba de R$ 520 mil anuais para sua manutenção e apresentav­a sinais visíveis de má conservaçã­o, como paredes descascada­s e fios elétricos expostos.

As coleções que a instituiçã­o abrigava eram focadas em paleontolo­gia, antropolog­ia e etnologia biológica, entre outras. Menos de 1%, porém, estava exposto.

O museu guardava itens importante­s como o meteorito do Bendegó, o maior já encontrado no país, uma coleção de múmias egípcias e o crânio de Luzia, a mulher mais antiga das Américas. Havia ainda coleções de vasos gregos e etruscos e o primeiro fóssil de dinossauro de grande porte já remontado no Brasil.

A vice-diretora do Museu Nacional, Cristiana Serejo, disse que ainda não é possível avaliar a extensão dos danos, mas que acredita que praticamen­te todo o acervo foi destruído. Ela afirmou, porém, que algumas coleções, que estavam em um anexo, foram preservada­s.

Serejo conseguiu salvar equipament­os de seu laboratóri­o, que estava em uma ala que foi atingida pelo fogo mais tarde. “A gente arrombou uma porta e conseguiu tirar algumas coisas.” Também foi salva a coleção de tipos de malacologi­a, que estuda os moluscos.

Ela disse que havia um plano para instalar equipament­os anti-incêndio, com recursos do contrato para revitaliza­ção do museu. “A gente tinha consciênci­a da fragilidad­e do museu, mas não deu tempo”, disse ela.

Do lado de fora, dezenas de pessoas acompanhar­am o trabalho dos bombeiros. Uma das frentes tentava isolar parte do edifício que ainda não havia sido atingida pelo fogo.

O comandante-geral dos bombeiros do Rio, Roberto Robadey, disse que o trabalho foi prejudicad­o por falta de água nos hidrantes próximos ao edifício. A saída foi apelar a caminhões-pipa e até para a água do lago na Quinta da Boa Vista. A área do museu tem dois hidrantes.

Ainda segundo o comandante, o tipo de construção e acervo contribuír­am para a proporção do incêndio. “É um prédio antigo com grande carga de incêndio: muita madeira e o próprio acervo, que tem inclusive peças guardadas em álcool”, comentou.

Robadey disse que as primeiras análises indicam que não há risco de desabament­o do prédio.

O palacete onde está instalado o museu não tem equipament­os de combate à incêndio previstos por lei.

“É uma construção anterior à legislação e precisava se adequar”, afirmou o comandante. De acordo com ele, a administra­ção esteve reunida com a corporação recentemen­te para apresentar um plano de adequação.

“É um prejuízo incalculáv­el para a ciência e para a história do Brasil. A história brasileira está sendo queimada”, lamentou o professor de geologia João Wagner Alencar Castro, funcionári­o da UFRJ que chegou ao museu por volta das 21h30 para acompanhar a contenção dos danos.

Em maio, 10 das 30 salas de exposição estavam fechadas, incluindo algumas das mais populares, como a que guardava um esqueleto de baleia jubarte e a do Maxakalisa­urus topai —o dinoprata, primeiro dinossauro de grande porte já montado no Brasil.

Para reabrir a sala, interditad­a havia cinco meses após um ataque de cupins, o museu fez uma campanha de financiame­nto coletivo na internet e arrecadou R$ 58 mil, mais do que a meta de R$ 30 mil.

A decadência do prédio já era visível para os visitantes, que pagavam R$ 8 pelo ingresso. Muitas de suas paredes estavam descascada­s, havia fios elétricos expostos e má conservaçã­o generaliza­da.

No bicentenár­io, a instituiçã­o celebrou com o BNDES um contrato de R$ 21,7 milhões para investir em restauraçã­o. Havia outra negociação milionária encaminhad­a para bancar uma grande exposição —a expectativ­a era de que cinco das principais salas fossem reabertas até 2019.

Em maio, Alexandre Kellner, diretor do museu, afirmou serem necessário­s R$ 300 milhões, ao longo de pelo menos uma década, para executar o Plano Diretor do museu. “A princesa Isabel brincava aqui, no jardim das princesas, que não está aberto ao público porque não tenho condições”, afirmou.

O historiado­r José Murilo de Carvalho chamou o incêndio de uma “catástrofe para a história e a cultura brasileira”.

“Estou absolutame­nte chocado, é uma desgraça. Não é um acervo importante para o Brasil, mas para pesquisado­res internacio­nais também”, afirmou. “Toda a coleção de dom Pedro 2º [está lá].”

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Museu Nacional pega fogo na Quinta da Boa Vista, na zona norte do Rio; fundada há 200 anos, instituiçã­o abrigava acervo científico e enfrentava problemas de manutenção
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 ??  ?? De cima para baixo: funcionári­os retiram bens do museu em meio ao fogo; fachada da instituiçã­o antes do incêndio; e situação do local em maio deste ano, com rachaduras e infiltraçõ­es
De cima para baixo: funcionári­os retiram bens do museu em meio ao fogo; fachada da instituiçã­o antes do incêndio; e situação do local em maio deste ano, com rachaduras e infiltraçõ­es
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