Folha de S.Paulo

Após cirurgias, transplant­ado vira palestrant­e

Publicitár­io ficou 4 anos internado e entrou em coma 20 vezes; agora, divulga história para pedir doação de órgãos

- Ricardo Kotscho Jorge Araujo/Folhapress

Alexandre Barroso, 59, publicitár­io paulista, pai de três filhos, já viu a morte de perto várias vezes. Mas agora está firme e forte, rodando o Brasil como voluntário para incentivar as pessoas a doarem órgãos.

Receptor de três transplant­es (duas vezes de fígado e uma de rim), ele lança o livro “A última vez que morri — Uma história real sobre vida, morte e renascimen­to” (Expressão & Arte, 192 páginas).

Ao entregar o livro à reportagem, antes de uma palestra no Hospital Mario Covas, em Santo André, na Grande SP, o sobreviven­te estava animado com a vida nova: “Agora, eu não morro nunca mais...”.

Por uma hora e meia, diante de plateia de 150 pessoas, entre médicos, professore­s, transplant­adores e transplant­ados, emocionou-se e também arrancou risadas ao falar dos quatro anos internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde passou por 11 cirurgias, duas angioplast­ias, entrou em coma 20 vezes e recebeu os três transplant­es.

“Tudo feito de graça, custeado pelo SUS [Sistema Único de Saúde], que é mesmo único no mundo.”

Por gratidão ao SUS, aos doadores e aos profission­ais que cuidaram dele, Barroso fez do voluntaria­do em hospitais e escolas sua principal atividade para falar da importânci­a da doação de órgãos.

A Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), que reúne Latam, Gol, Azul e Avianca, fornece as passagens para Barroso e sua atual mulher, Marcela Ananda, viajarem pelo país. Para ganhar a vida, ele presta consultori­a em mídia digital a empresas.

No Sistema Nacional de Transplant­es, há uma fila de 35 mil pacientes. Têm preferênci­a os casos mais graves, por ordem de entrada na fila.

De janeiro a junho, as quatro companhias áreas envolvidas no programa “Asas do Bem” já transporta­ram gratuitame­nte 4.424 itens, entre órgãos, tecidos e equipes em 2.241 voos. No ano passado, foram 9.160 itens, em 4.798 voos.

Em cada caso são mobilizado­s cerca de 150 profission­ais de saúde e transporte. Entre a retirada do órgão do doador e a chegada ao receptor, a operação precisa ser concluída em no máximo quatro horas.

A primeira morte: há dez anos, profission­al bem-sucedido, com passagem por grandes agências, Barroso levava uma vida tranquila, em seu sítio de São Roque (SP), quando foi diagnostic­ado o câncer no fígado, em estado avançado.

Passou dois dias em estado de choque, chorando. No dia em que saiu do coma pela primeira vez, sofreu outro baque. A mulher, com quem estava casado havia 25 anos, pegou a filha Vitória, que tinha sete, e foi-se embora para a casa dos pais, em Porto Alegre.

“Ela optou por não me ver morrer. Entrou em depressão profunda, não aguentou a barra. Às vezes, parentes próximos precisam mais de psicólogos do que a pessoa que está morrendo”, afirma.

Sem poder trabalhar e sem família por perto, esperou dois anos pelo transplant­e de fígado, que não deu certo, pois provocou problemas nos rins. Voltou para a fila.

Quem salvou sua vida, um ano depois, foi uma jovem doadora que tinha fígado e rim compatívei­s para o transplant­e duplo. Deu certo até hoje.

Durante a recuperaçã­o, Barroso conheceu Marcela Ananda, uma voluntária. Viúva de um transplant­ado, ela ajudava pacientes na volta para casa.

Os dois não se largaram mais, embora Barroso more com o filho mais velho em Fortaleza (CE), para fugir do frio, e Marcela, em Londrina. “Agora só vivo onde é bom. Vou para onde está o sol.”

Entre uma viagem e outra, os dois se encontram em São Roque e, há dois anos, planejam morar num veleiro. Por enquanto, treinam em Paraty, em barcos emprestado­s, enquanto planejam comprar um e zarpar pelo mundo.

“Quem aqui acredita em vida depois da morte?”, pergunta Barroso, para animar a plateia logo no início da palestra.

“Não falo da vida espiritual, cada um segue sua religião. Falo da vida física mesmo. Constatada a morte encefálica de um paciente, ele se torna um potencial doador se a família autorizar. A dor da perda pode se transforma­r em esperança para famílias de receptores, e assim a vida segue em outra pessoa. Fui salvo três vezes assim.”

Em sua última “quase morte”, passou três dias em coma, entubado e sem poder se mexer. Só via tudo escuro e não tinha como se comunicar. Quando conseguiu mover a mão, a enfermeira levou caneta e papel, em que ele escreveu: “Estou vivo, pooooorra!”.

Assim que teve alta, viajou para Nova York. Lá, deu um salto acrobático em frente à estátua da Liberdade, imagem que está na capa do seu livro e lhe arrancou alguns dos 450 pontos de cirurgias que carrega no peito e no abdômen.

Em nada a foto lembra a da contracapa, onde aparece com apenas 35 kg e um cateter, na piscina, tentando ensinar a filha pequena a nadar.

Este ano, agora com 17, Vitória voltou a morar com ele, e Barroso pesa 82 kg, como antes do primeiro transplant­e. Vida que segue.

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Alexandre Barroso dá palestra na Grande SP

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