Após cirurgias, transplantado vira palestrante
Publicitário ficou 4 anos internado e entrou em coma 20 vezes; agora, divulga história para pedir doação de órgãos
Alexandre Barroso, 59, publicitário paulista, pai de três filhos, já viu a morte de perto várias vezes. Mas agora está firme e forte, rodando o Brasil como voluntário para incentivar as pessoas a doarem órgãos.
Receptor de três transplantes (duas vezes de fígado e uma de rim), ele lança o livro “A última vez que morri — Uma história real sobre vida, morte e renascimento” (Expressão & Arte, 192 páginas).
Ao entregar o livro à reportagem, antes de uma palestra no Hospital Mario Covas, em Santo André, na Grande SP, o sobrevivente estava animado com a vida nova: “Agora, eu não morro nunca mais...”.
Por uma hora e meia, diante de plateia de 150 pessoas, entre médicos, professores, transplantadores e transplantados, emocionou-se e também arrancou risadas ao falar dos quatro anos internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde passou por 11 cirurgias, duas angioplastias, entrou em coma 20 vezes e recebeu os três transplantes.
“Tudo feito de graça, custeado pelo SUS [Sistema Único de Saúde], que é mesmo único no mundo.”
Por gratidão ao SUS, aos doadores e aos profissionais que cuidaram dele, Barroso fez do voluntariado em hospitais e escolas sua principal atividade para falar da importância da doação de órgãos.
A Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), que reúne Latam, Gol, Azul e Avianca, fornece as passagens para Barroso e sua atual mulher, Marcela Ananda, viajarem pelo país. Para ganhar a vida, ele presta consultoria em mídia digital a empresas.
No Sistema Nacional de Transplantes, há uma fila de 35 mil pacientes. Têm preferência os casos mais graves, por ordem de entrada na fila.
De janeiro a junho, as quatro companhias áreas envolvidas no programa “Asas do Bem” já transportaram gratuitamente 4.424 itens, entre órgãos, tecidos e equipes em 2.241 voos. No ano passado, foram 9.160 itens, em 4.798 voos.
Em cada caso são mobilizados cerca de 150 profissionais de saúde e transporte. Entre a retirada do órgão do doador e a chegada ao receptor, a operação precisa ser concluída em no máximo quatro horas.
A primeira morte: há dez anos, profissional bem-sucedido, com passagem por grandes agências, Barroso levava uma vida tranquila, em seu sítio de São Roque (SP), quando foi diagnosticado o câncer no fígado, em estado avançado.
Passou dois dias em estado de choque, chorando. No dia em que saiu do coma pela primeira vez, sofreu outro baque. A mulher, com quem estava casado havia 25 anos, pegou a filha Vitória, que tinha sete, e foi-se embora para a casa dos pais, em Porto Alegre.
“Ela optou por não me ver morrer. Entrou em depressão profunda, não aguentou a barra. Às vezes, parentes próximos precisam mais de psicólogos do que a pessoa que está morrendo”, afirma.
Sem poder trabalhar e sem família por perto, esperou dois anos pelo transplante de fígado, que não deu certo, pois provocou problemas nos rins. Voltou para a fila.
Quem salvou sua vida, um ano depois, foi uma jovem doadora que tinha fígado e rim compatíveis para o transplante duplo. Deu certo até hoje.
Durante a recuperação, Barroso conheceu Marcela Ananda, uma voluntária. Viúva de um transplantado, ela ajudava pacientes na volta para casa.
Os dois não se largaram mais, embora Barroso more com o filho mais velho em Fortaleza (CE), para fugir do frio, e Marcela, em Londrina. “Agora só vivo onde é bom. Vou para onde está o sol.”
Entre uma viagem e outra, os dois se encontram em São Roque e, há dois anos, planejam morar num veleiro. Por enquanto, treinam em Paraty, em barcos emprestados, enquanto planejam comprar um e zarpar pelo mundo.
“Quem aqui acredita em vida depois da morte?”, pergunta Barroso, para animar a plateia logo no início da palestra.
“Não falo da vida espiritual, cada um segue sua religião. Falo da vida física mesmo. Constatada a morte encefálica de um paciente, ele se torna um potencial doador se a família autorizar. A dor da perda pode se transformar em esperança para famílias de receptores, e assim a vida segue em outra pessoa. Fui salvo três vezes assim.”
Em sua última “quase morte”, passou três dias em coma, entubado e sem poder se mexer. Só via tudo escuro e não tinha como se comunicar. Quando conseguiu mover a mão, a enfermeira levou caneta e papel, em que ele escreveu: “Estou vivo, pooooorra!”.
Assim que teve alta, viajou para Nova York. Lá, deu um salto acrobático em frente à estátua da Liberdade, imagem que está na capa do seu livro e lhe arrancou alguns dos 450 pontos de cirurgias que carrega no peito e no abdômen.
Em nada a foto lembra a da contracapa, onde aparece com apenas 35 kg e um cateter, na piscina, tentando ensinar a filha pequena a nadar.
Este ano, agora com 17, Vitória voltou a morar com ele, e Barroso pesa 82 kg, como antes do primeiro transplante. Vida que segue.