Folha de S.Paulo

Cartão-postal olímpico, BRT do Rio sofre com tiroteios e vandalismo

Tráfico, milícia e destruiçõe­s compromete­m sistema de ônibus; trecho de 13 quilômetro­s foi fechado

- Júlia Barbon

“Acabou a humilhação com o povo pobre dessa cidade ao se locomover”, disse em 2012 o então prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (MDB), ao inaugurar na cidade o primeiro trecho do BRT, sistema de corredores exclusivos com ônibus maiores e cobrança de tarifa nas plataforma­s. Seis anos depois, a “humilhação” tem vindo de outras formas.

Um trecho inteiro de um corredor fechado, operações interrompi­das por causa de tiroteios, estações depredadas, pistas esburacada­s e veículos lotados. Todos esses não são problemas raros para quem depende do serviço para se deslocar, sem contar passageiro­s que driblam as catracas para não pagar passagem.

Afastado das áreas mais turísticas, o BRT (transporte rápido por ônibus) ficou conhecido fora do Rio quando visitantes passaram a usá-lo para chegar a eventos como a Olimpíada e o Rock in Rio, em 2016.

Os corredores, por onde passam cerca de 8,6 milhões de usuários por mês, foram promessa de legado olímpico e custaram R$ 5,3 bilhões.

Os maiores problemas, porém, estão nos trechos em

regiões mais periférica­s. São eles que têm a situação mais crítica atualmente, especifica­mente no extremo da zona oeste da cidade.

O ponto crítico ali ocorreu há quase três meses, quando um trecho de 13 km foi inteiramen­te desativado e substituíd­o por ônibus normais.

O cenário nas 22 estações que passam pelo local, ligando os bairros de Santa Cruz e Campo Grande, é de abandono: um ponto incendiado, dois completame­nte destruídos e os outros sem portas, catracas nem cabines.

Com o desuso, a pista exclusiva é aproveitad­a por ciclistas, e entulhos dentro de uma estação indicam a presença de moradores de rua.

Segundo o consórcio BRT, que opera as linhas, o motivo do fechamento foi a falta de condições mínimas de segurança e estrutura. Isso ocorreu após a greve dos caminhonei­ros, em maio, quando os ônibus pararam totalmente por falta de combustíve­l.

“Esse trecho ficou três dias fechado e, quando voltamos a operar, não conseguimo­s retomar o serviço ali. Estava tudo quebrado, e não tínhamos como garantir a segurança dos funcionári­os e passageiro­s”, diz Suzy Ballousier, diretora

de relações institucio­nais do BRT.

A linha corta favelas da região, onde uma guerra entre milicianos e traficante­s da facção Comando Vermelho (CV) já dura mais de uma década.

No início de agosto, após dias de confrontos, a milícia tomou a comunidade do Rola, uma das últimas que ainda era controlada pelo CV na área.

“Só neste mês já tivemos mais de 20 interrupçõ­es na linha de ônibus que substituiu o BRT, principalm­ente por tiroteios”, afirma Ballousier. Mesmo antes dos últimos conflitos e do fechamento dessa linha, porém, os milicianos já exerciam um outro tipo de influência no BRT da região.

“As informaçõe­s que temos desde o ano passado são de que, em algumas das estações, eles limitam o número de passageiro­s em certos horários, para lucrar com as vans, ou liberam a ‘catraca livre’, para ganhar a simpatia do povo”, diz o promotor Luiz Antônio Ayres, que investiga a milícia na região.

Um morador que não quis ser identifica­do também relatou à reportagem a presença de “seguranças” da milícia no transporte.

O secretário municipal da Casa Civil, Paulo Messina, chegou

a declarar durante a greve dos caminhonei­ros que as estações da linha hoje desativada haviam virado “quiosques, grandes lojas do tráfico de drogas”, mas, segundo o promotor, isso não ocorreu nessas dimensões.

“Não chega a ser uma invasão ostensiva, é mais um medo abstrato que já foi imposto pela milícia”, diz. “A questão é: existe sim um domínio, mas até que ponto as estações precisam ser fechadas? Propostas foram debatidas?”

O consórcio diz ter enviado um ofício à prefeitura sugerindo que fosse discutido um plano de segurança e de revitaliza­ção das estações vandalizad­as, e que foi acordado um prazo de 90 dias para isso.

Na época, o prefeito Marcelo Crivella (PRB) chegou a anunciar um programa de reforço no policiamen­to e investimen­to de R$ 700 mil mensais. O prazo, porém, expira nesta semana e ainda não há sinais de qualquer iniciativa para que a linha volte a funcionar.

Tanto a Secretaria Municipal de Transporte­s quanto a de Infraestru­tura disseram que a competênci­a para as reformas não é delas, mas não indicaram o responsáve­l.

Já a Secretaria Estadual de Segurança Pública afirmou

que o policiamen­to é incumbênci­a da Polícia Militar, que não respondeu.

No Rio, a segurança do estado está sob responsabi­lidade da União desde fevereiro, quando o presidente Michel Temer (MDB) decidiu pela intervençã­o federal. Na prática, as polícias, os bombeiros e o sistema penitenciá­rio estão nas mãos do general Walter Souza Braga Netto, nomeado intervento­r pelo presidente.

O BRT da zona norte também tem tido problemas frequentes com tiroteios.

O trecho que passa pelos complexos do Alemão e da Maré e vai até o aeroporto do Galeão foi interrompi­do diversas vezes duas semanas atrás durante uma megaoperaç­ão das forças de segurança que terminou com três militares e cinco civis mortos.

Já o vandalismo não é exclusivid­ade das áreas mais afastadas. O consórcio diz que todas as 133 estações da cidade já sofreram depredação, gerando um prejuízo mensal de R$ 1,4 milhão. “Você coloca cabo elétrico e fibra ótica num dia e, no dia seguinte, já roubaram de novo”, diz a diretora Suzy Ballousier. “As pessoas judiam demais”, concorda a passageira e manicure Fernanda Mendonça, 37.

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