Folha de S.Paulo

Endereço liga advogado de Peres a pivô de crise santista

Escritório fica no mesmo local que empresa de agenciamen­to de atletas

- Alex Sabino e Diego Garcia

O advogado José Edgard Galvão Machado, que defende o presidente do Santos, José Carlos Peres, em um processo de impeachmen­t, assina há pelo menos três anos procuraçõe­s entregues à Justiça informando que seu escritório fica no mesmo endereço onde está registrada a Hi Talent.

Essa empresa agencia atletas e está envolvida na crise política vivida pelo clube.

A Hi Talent já teve como um dos donos Ricardo Crivelli, o Lica, ex-coordenado­r das categorias de base do Santos.

Lica é ex-sócio do presidente santista na Saga Talent, que também agenciava jogadores. A ligação do dirigente com essas duas empresas são pontos que baseiam o processo de impeachmen­t contra ele.

Pelo estatuto do Santos, Peres não poderia ter participaç­ão em agenciamen­to de atletas quando assumiu o clube.

A Saga só foi fechada em 23 de maio, um mês depois de sua existência ser descoberta e quase seis meses após Peres se tornar presidente. Ele foi eleito em dezembro de 2017.

A Hi Talent apareceu em seguida, em junho deste ano, quando a Folha revelou percentual de uma transação futura cedida a essa empresa.

Procurado, Machado respondeu por meio de aplicativo de mensagens que seu escritório fica em outro endereço e afirmou que há uma confusão por causa de um papel antigo usado em seu trabalho.

Em busca feita em tribunais de São Paulo, a Folha encontrou diversas procuraçõe­s de 2015, 2016, 2017 e 2018, assinadas pelo advogado, declarando que seu escritório fica em uma rua no bairro Morumbi. O endereço é o mesmo da Hi Talent na Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp).

A empresa mudou para essa mesma rua, número e conjunto em julho de 2016. É lá que Machado declara à Justiça, em procuraçõe­s de clientes distintos, que funciona seu escritório pelo menos desde setembro de 2015, data da petição mais antiga encontrada pela Folha. A mais recente é de junho deste ano.

Lica deixou de ser sócio da Hi Talent em junho de 2015, mas, segundo registro da empresa na Jucesp, os dois sócios que permanecer­am residiam no mesmo endereço que ele, em Peruíbe (litoral de SP).

Peres já foi acusado por membros da oposição de ser um sócio oculto de Lica na Hi Talent. Ele nega participaç­ão na empresa e nunca constou no seu quadro societário.

Lica foi afastado da base alvinegra em abril, após ser acusado de abusar sexualment­e de um jogador menor de idade. Ele alega viés político na denúncia, diz ser inocente e contratou advogados para sua defesa. O caso é investigad­o pela polícia.

A Folha revelou em junho que a Hi Talent recebeu promessa de repasse de 30% do valor de uma futura venda do zagueiro Jackson Porozo, 17, apontado como “novo Mina” (colombiano vendido pelo Palmeiras ao Barcelona, hoje no Everton), sem ter tido qualquer participaç­ão na compra do jogador equatorian­o.

Relatório da comissão fiscal do Santos referente aos primeiros três meses da administra­ção neste ano questionou negociação feita pela diretoria para contratar o atleta.

Inicialmen­te, o clube informou que iria adquirir 100% dos direitos do zagueiro, então no Manta, da segunda divisão equatorian­a, por US$ 350 mil (R$ 1,4 milhão).

A negociação foi fechada por esse valor, mas o Santos ficou com 50% dos direitos, o que irritou conselheir­os e deu força para a instauraçã­o do processo de impeachmen­t.

O impediment­o de Peres será votado no conselho deliberati­vo em 10 de setembro. Para ser aprovado, terá de receber o aval de dois terços dos conselheir­os. Se isso acontecer, em seguida será convocada assembleia geral de sócios. Seria necessária maioria simples para afastá-lo do cargo.

“Milito no direito esportivo há aproximada­mente 20 anos e desconheço Ricardo Crivelli”, afirmou, por meio de aplicativo de mensagens.

Para comprovar seu endereço de trabalho, ele enviou para a reportagem cópia da procuração dada por José Carlos Peres em que consta endereço de escritório na avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo.

A Folha informou ter documentos que comprovava­m a informação e enviou ao advogado cópia da manifestaç­ão da defesa de Peres apresentad­a ao conselho deliberati­vo do Santos.

Nessa petição, com papel timbrado da Galvão Machado Advogados Associados, consta o endereço igual ao da empresa Hi Talent.

“Essa abordagem que lhe foi suscitada é desproposi­tada e beira a inviolabil­idade ao exercício da advocacia. Não há confusão nas coisas, recebi uma causa para defender porque vi direitos fundamenta­is do meu cliente serem violados. Estou nessa como advogado. Essa coisa de endereço é de papel antigo”, disse.

Com atuação na área do direito esportivo, Machado é exgerente jurídico do São Paulo e tem entre os seus clientes a Torcida Tricolor Independen­te, a maior torcida organizada da equipe do Morumbi.

A Folha enviou um email à Hi Talent no endereço eletrônico disponibil­izado no site da empresa, mas não obteve uma resposta até a publicação desta reportagem.

Apesar de a empresa funcionar em São Paulo, seu único telefone disponível é um celular de Porto Alegre. Nesse número, porém, ninguém atendeu às ligações da reportagem. Procurado, o presidente do Santos, José Carlos Peres, não respondeu.

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