Folha de S.Paulo

Por que tantos em Wall Street torcem por Bolsonaro?

- Brian Winter

Os investidor­es estrangeir­os, como muitos brasileiro­s, querem crer na possibilid­ade de um salvador. Para a parte de Wall Street que investe no Brasil, o ano foi horrível.

Por que tanta gente em Wall Street torce por Bolsonaro?

Por um candidato que odiava tanto a austeridad­e que nos anos 90 apelou pelo fuzilament­o de um presidente que ordenou um corte de gastos?

Por alguém que quer mudar a composição do STF e indicar juízes ligados a ele? Que declarou seis semanas atrás que “na verdade não entendo de economia”?

Bem, há duas respostas. Porque, graças em parte a Donald Trump, em 2018 a memória é curta. E porque os investidor­es estrangeir­os, como muitos brasileiro­s, querem acreditar na possibilid­ade de um salvador.

Para a parte de Wall Street que investe em países como o Brasil, o ano foi horrível até agora.

Enquanto o mercado de ações dos EUA batia recordes, com o corte de impostos e as medidas de desregulam­entação de Trump, o principal índice de mercados emergentes registrava queda geral de 9%, puxado pelas baixas na Turquia (-55%), África do Sul (-21%) e Brasil (-20%).

Um ano ruim quer dizer bonificaçã­o ruim e pode até significar a perda do emprego. O Brasil é grande o bastante para empurrar uma virada na categoria, mas isso só vai acontecer se um presidente “amigo do mercado” —Bolsonaro ou Alckmin— vencer.

Uma vitória do PT, em contraste, poderia causar nova queda dos ativos.

Nesse contexto, a maioria dos investidor­es parecia preferir Alckmin. Mas o equilíbrio está mudando, e não só porque ele continua estagnado.

A indicação por Bolsonaro de Paulo Guedes como ministro da Fazenda e depositári­o da ortodoxia econômica parece melhor a cada dia, aos olhos do mercado.

Sob a tutela de Guedes, Bolsonaro prometeu reforma nas aposentado­rias e no mês passado chegou a mencionar a possibilid­ade do Cálice Sagrado de Wall Street —a privatizaç­ão da Petrobras. Um investidor me disse, empolgado, que o Brasil pode ter seu primeiro presidente verdadeira­mente liberal em pelo menos meio século.

Calma lá, você talvez diga: e quanto ao passado não tão distante de Bolsonaro?. É aí que entra Trump.

O presidente dos EUA era membro registrado do Partido Democrata até 2010 — mas na Casa Branca ele vem realizando os maiores sonhos republican­os em termos de corte de impostos e desregulam­entação da economia. Os mercados financeiro­s estão sujeitos a modas, e a coerência ideológica está fora de moda. Basta a explicação de Bolsonaro: “As pessoas evoluem”.

É claro que essa abordagem acarreta riscos. Um presidente que talvez não tenha gran- de compromiss­o com a austeridad­e será capaz de tomar as decisões duras necessária­s para reduzir um deficit ainda maior que o da Argentina?

Ele conseguirá funcionar sem apoio claro no Congresso? (Ou, diante de oposição, cumprirá sua velha promessa de fechar o Congresso?) Alguns líderes que pisotearam instituiçõ­es democrátic­as, de Recep Erdogan na Turquia a Daniel Ortega na Nicarágua, vêm enfrentand­o problemas.

Mas se você conversar com investidor­es sobre os riscos do autoritari­smo, muitos tenderão a responder “ouvimos o mesmo sobre Trump, e as coisas estão ótimas” ou “qualquer um menos Lula”.

Há, por fim, o elemento moral. Como os investidor­es podem apoiar um candidato com posições como as de Bolsonaro sobre mulheres, minorias e direitos humanos?

Essa é a pergunta mais fácil. Conheço muitas pessoas íntegras em Wall Street que sentem repulsa por Bolsonaro. Mas elas admitem em conversas particular­es que não há espaço para sentimento­s. Como me disse uma, “meu trabalho é garantir que os títulos sejam pagos na data. Quanto ao resto —cabe aos brasileiro­s decidir”.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil