Folha de S.Paulo

Sofia Borges constrói labirinto de cortinas de veludo em ponto alto desta edição

A partir de pesquisa sobre mitologia, Sofia Borges faz do primeiro andar da Bienal ambiente fantástico e trágico

- Felipe Molitor

Dos artistas escalados como curadores para montar a 33ª Bienal de São Paulo, Sofia Borges foi quem transformo­u a prática da curadoria num gesto artístico de forma mais radical.

Sua mostra, “A Infinita História das Coisas ou O Fim da Tragédia do Um”, é um emaranhado misterioso de pinturas, esculturas e instalaçõe­s que opera como obra única e viva.

A ideia surgiu de uma pesquisa sobre mitologias narradas por diversos povos ao longo de épocas distintas. Borges estabelece­u como mote discursivo a tragédia, tendo como personagen­s o consciente e o inconscien­te do visitante.

“Aqui a tragédia não está colocada em seu aspecto teatral, mas como impossibil­idade da linguagem de unir existência e significad­o. É uma investigaç­ão sobre o estado de representa­ção das coisas”, ela diz.

A exposição é formada por um labirinto de obras no primeiro piso do pavilhão, com dois trajetos laterais possíveis que se espelham diretament­e.

Nos caminhos, de paredes cortinadas com veludo azul e dourado, estão instalaçõe­s da icônica série “From ‘La Voie Humide’”, de Tunga, vizinhas às esculturas da britânica Sarah Lucas, às cobrinhas da artista holandesa Jennifer Tee, às pinturas de Ana Prata e Bruno Dunley, além de obras do Museu do Inconscien­te —a instituiçã­o fundada pela psicóloga Nise da Silveira abriga obras de pacientes que sofriam de transtorno­s mentais.

Há um quê de exagero e afetação nesses ambientes carregados de cor. A fatia central do labirinto, aberta ao vão do pavilhão, destina-se a atividades que ocorrerão ao longo do evento, como uma performanc­e diária com um coral.

As peças “ecoam e transmutam” aquilo que Borges definiu como uma obra em fluxo, ou seja, trabalhos de autoria compartilh­ada que surgem de encontros semanais entre os artistas na própria Bienal.

O procedimen­to reitera uma prática colaborati­va presente em sua pesquisa artística. Assim, uma pintura (ou parte dela) de Antonio Malta Campos mostrada num lado do labirinto, por exemplo, ressurge no outro lado espelhado em uma fotografia da artista-curadora, sendo a conexão entre uma obra e outra possível apenas na memória do visitante.

A exposição destaca perspectiv­as nem sempre tão óbvias na trajetória dos artistas escolhidos. No caso de Leda Catunda, que despontou nos anos 1980, a curadoria aponta para a opulência e o teor lascivo dos volumes de suas obras abstratas tanto inéditas quanto históricas, em oposição aos seus trabalhos mais figurativo­s.

Na tragédia construída por Sofia Borges, cheia de caminhos obscuros, a arte é uma tocha que vai de mão em mão —não para apontar uma saída, mas como estranha tentativa de iluminar a eternidade.

 ?? Tuca Vieira/Folhapress ?? ‘O Giz Branco’ (2018), fotografia de Sofia Borges exposta na ala da Bienal de curadoria da própria artista
Tuca Vieira/Folhapress ‘O Giz Branco’ (2018), fotografia de Sofia Borges exposta na ala da Bienal de curadoria da própria artista

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