Folha de S.Paulo

Fato e fake

- Antonio Delfim Netto Economista e ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici). Escreve às quartas ideias.consult@uol.com.br

É fato, não fake, que 2016 encerrou uma das piores décadas de cresciment­o do PIB per capita do último século!

Tivemos um robusto cresciment­o com inflação relativame­nte moderada até a década dos 80 do século passado.

A crise do petróleo (o Brasil importava 80% do seu consumo) produziu uma grave deterioraç­ão das condições internas. O cresciment­o decenal per capita despencou de quase 7% no final dos anos 70 para menos de 2% (sob uma ameaça de hiperinfla­ção) até o sucesso extraordin­ário do Plano Real (1995).

É importante lembrar que o Brasil foi o primeiro país a resolver seu problema de balanço de pagamentos, em 1984, graças a uma grande recessão, e o último a renegociar a sua dívida, dez anos após um estúpido “default”, já no excelente governo Itamar Franco (1992-1994).

É fato, também, que o sucesso do Plano Real foi melhor para reeleger FHC do que para retornar ao cresciment­o decenal. Este andou sempre às voltas de 1,2% ao ano, até um pequeno surto no governo Lula, ajudado pela boa administra­ção da economia e um presente externo (a melhoria das relações de troca).

Lula soube aproveitá-los e distribuir (um misto de fato e de fake), que é a principal razão do “sebastiani­smo” que hoje o cerca.

De qualquer forma, não é possível ignorar que o governo Lula adquiriu outro caráter quando Dilma Rousseff, então na Casa Civil, sabotou o desejo de seu chefe.

Ele havia manifestad­o ao ministro Palocci (e há testemunha viva) que queria criar as condições para o estabeleci­mento do equilíbrio fiscal sólido, com uma relação dívida/PIB que possibilit­asse uma ação fiscal enérgica se, e quando, a demanda privada esmorecess­e.

“Esse programa é rudimentar”, disse ela furiosa à imprensa. E definiu a sua filosofia: “gasto é vida”, da qual, seja reconhecid­o, nunca se afastou a partir de 2012 quando dispôs livremente do poder para fazê-lo.

Não é sem motivo, portanto, que o decênio terminado em 2016, todo ele dominado pelo PT, registra um dos menores cresciment­os do século. O curioso é que um “fake” produzido pela “esquerda desvairada”, de que se queixava Darcy Ribeiro, se transformo­u em um quase “fato”.

Atribui-se ao presidente Temer toda a desgraça de 2012 a 2016! Temer começou muito bem. Foi desconstru­ído pela armadilha “JBSgate”, mas continuou a tentar as reformas imprescind­íveis para a recuperaçã­o do protagonis­mo do Executivo, sem o qual a volta do cresciment­o é ilusão.

Ainda agora, apesar de todas as resistênci­as, tenta aprovar um conjunto de medidas que aliviarão o trabalho de seu sucessor, seja ele quem for. O deplorável é que o “incógnito” revela uma compromete­dora falta de coragem...

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Hubert

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