Folha de S.Paulo

Só uma greve salva os museus

Há centenas de instituiçõ­es inúteis, que servem apenas para publicidad­e e empreguism­o

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

Aqui vai uma sugestão para os milhares de servidores públicos que trabalham em museus federais, estaduais e municipais: a partir de hoje, organizem comissões e peçam aos seus diretores que lhes mostrem o alvará do Corpo de Bombeiros que autoriza o funcioname­nto da instituiçã­o. Não tem? Venceu? Tudo bem, declarem-se em greve e só voltem ao trabalho quando vier o alvará.

O Museu Nacional havia sido inspeciona­do pelo Corpo de Bombeiros há dez anos. Diante do fogo, dos hidrantes não saia água.

É isso ou, infelizmen­te, todos os servidores serão cúmplices do próximo incêndio. O Museu Nacional estava vendido havia mais de uma década. Pegou fogo no ano do 40º aniversári­o do incêndio do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, mantido pela elite carioca. Em 1972 a ditadura desfilou os restos mortais de D. Pedro I pelo país, até que os colocou numa cripta no Museu do Ipiranga, em São Paulo. Vinte anos depois, ela era mictório de mendigos. A instituiçã­o está fechada porque o prédio ameaçava desabar e a Universida­de de São Paulo liberou apenas 3,2% da verba destinada à sua recuperaçã­o.

Quem viu as primeiras reações dos hierarcas da burocracia cultural diante da tragédia da Quinta da Boa Vista teve o sofrimento adicional de ser tratado como cretino. O incêndio foi um acidente previsível, mas ainda assim foi um acidente. A estupidifi­cação oferecida pelos hierarcas foi empulhação deliberada.

Foram muitos os que seguiram uma linha de argumentaç­ão parecida com a do ministro da Cultura, Sérgio de Sá Leitão, queixando-se da falta de atenção “do conjunto da sociedade” para defender a cultura nacional. Outro hierarca disse que “faz parte da cultura brasileira um certo desprestíg­io” pela memória nacional.

Como diria a Baronesa Thatcher, esse negócio de sociedade não existe. Existem homens, mulheres e famílias. A “sociedade” nada teve a ver com o desastre. Também não existe uma vaga “cultura brasileira”. Transferir a responsabi­lidade para a choldra que paga impostos é pura empulhação. Os responsáve­is pela grandeza e a ruína do Museu Nacional foram seus diretores e os reitores da Universida­de Federal do Rio de Janeiro.

Podiam ter tomado uma atitude: pedir demissão denunciand­o os responsáve­is pelo estrangula­mento das instituiçõ­es. Foi isso que o médico Adib Jatene fez quando viu que negavam recursos para o Ministério da Saúde.

Nos últimos anos o Rio de Janeiro inaugurou dois novos museus, o do Amanhã e o de Arte. Ambos foram festejados por servidores que sabiam o grau de degradação do Museu Nacional. Numa conta feita em 2003, no triângulo Rio-NiteróiPet­rópolis existiam 108 museus. Roma tinha 104. Nova York e Washington, juntas, não somavam cem. Por quê? Porque quando se cria um museu, mesmo que ele não tenha acervo, nomeia-se um diretor. No século passado um ilustre romancista e acadêmico visitou o Museu Nacional de Belas Artes antes de assumir sua direção. Ao saber que não ganharia um carro oficial, desistiu do cargo.

Inaugurar museu dá prestígio e cria cargos. Conservá-los é outra história. O Brasil não tem dinheiro para sustentar milhares de museus e centenas deles funcionam em horários que afugentam visitantes.

No caso do Museu Nacional, construius­e uma ladainha, segundo a qual, um patrocínio de R$ 21,6 milhões do BNDES poderia ter salvo o Museu Nacional. Lorota. Parte desse dinheiro, a ser ser liberado ao longo de anos, seria usado para um projeto de proteção contra incêndio. Projeto, nada a ver com obra.

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