Folha de S.Paulo

Campanhas tentam levar jovens ativistas ao voto

Dados de 128 países mostram que nova geração tem hábitos políticos próprios

- Dan Morrison e Christophe­r Tyree

washington Kimberley Kute estava ansiosa para marcar sua cédula na primeira eleição do Zimbábue desde que o exército removeu no ano passado Robert Mugabe, que governou o país por décadas.

“O voto é a sua expressão, sua voz”, diz a gerente de eventos de 24 anos, repetindo as palavras de dezenas de jovens entrevista­dos nos dias claros e quentes do final de julho, antes da abertura das urnas.

A esperança dos jovens do Zimbábue com a via eleitoral não encontra eco em outros países também sob instabilid­ade política. Um número crescente dos que se dizem interessad­os em política rejeita o engajament­o formal.

Em vez disso, prefere protestos de rua e a organizaçã­o informal, segundo análise de dados da Orb Media com mais de 979 mil pessoas em 128 países.

Adultos até 40 anos têm de 9% a 17% mais probabilid­ade de preferir atividades políticas informais do que quem já passou dessa faixa, alta significat­iva em comparação ao início dos anos 2000, quando a diferença era de 3%.

“Precisamos que uma geração jovem mais participat­iva apareça, levante a voz e desempenhe papel maior na democracia”, diz Shahrul Saari, 43, presidente interino do Bersih 2.0, observatór­io da democracia na Malásia.

Jovens sempre votaram em números menores. Mas, enquanto pesquisas mostram que a democracia continua sendo a forma mais desejada de governo, menos deles se engajam como voluntário­s ou membros de partido.

Existem diferentes razões. Muitos jovens ativistas preferem movimentos horizontai­s em redes digitais a organizaçõ­es tradiciona­is comandadas de cima para baixo. Em alguns países, falta uma batalha ideológica motivadora.

Outro fator é a exclusão pelas estruturas estabeleci­das: apenas 2% dos parlamenta­res do mundo têm menos de 30 anos. A percepção de corrupção também tem seu papel.

A análise da Orb Media descobriu que, em todo o mundo, jovens que acham seu governo

corrupto tinham entre 7% e 15% menos probabilid­ade de votar que colegas que não percebem a corrupção.

Na Polônia, em 2015, muitos jovens de esquerda “decidiram não votar pelo candidato menos pior e se opor ao sistema em geral”, diz o ativista Dominik Puchala, 20.

Os que votaram favorecera­m os partidos da extrema direita. “Votar é uma forma de influencia­r algo muito formalment­e. Mas às vezes isso não é suficiente”, disse Puchala, enquanto se preparava para participar de manifestaç­ão em frente ao Parlamento.

A rua pode ser às vezes um último recurso desesperad­o.

Em Bangladesh, estudantes foram atacados por policiais e governista­s em agosto, em protestos para para exigir segurança, depois que adolescent­es foram mortos por um ônibus em alta velocidade.

“Não planejo protestar, mas não tinha opção”, disse uma estudante de arquitetur­a de Bangladesh, com os braços enfaixados por causa de uma agressão policial. “Os líderes políticos são todos corruptos. Eles não estão fazendo nada.” “Eu nunca vou votar. Nosso voto não importa mesmo”, afirmou.

Quando os protestos terminaram, em meio a contínuas prisões de estudantes, o governo anunciou um plano de cinco anos para treinar profission­almente 136 mil motoristas de ônibus.

Nos últimos anos, jovens marchando por justiça política e econômica forçaram a remoção de líderes na Eslováquia, Guatemala, Tunísia e Egito. Em cada país, os grupos no poder se reafirmara­m.

“Se os jovens apenas empregarem a desobediên­cia civil, serão inevitavel­mente deixados de fora de muitas decisões”, observa estudo recente do Consórcio para Eleições e Fortalecim­ento de Processos Políticos nos Estados Unidos.

Em outras palavras: você tem que estar envolvido para conseguir o que quer.

Mas os partidos formais também terão que se adaptar a eleitores atraídos por causas individuai­s.

“Há um problema com as formas mais tradiciona­is de política”, diz Ben Lake, 25, o segundo mais jovem parlamenta­r britânico.

Ingressar no sistema não é fácil: só 14 dos 650 deputados britânicos têm menos de 30 anos. “As estruturas dos partidos não servem para eles”, afirma Lake.

Na Nicarágua, “eles dizem que, se você não fez parte da revolução de 1979, não tem nada a dizer”, afirma Maria, ativista de 22 anos, enquanto se esconde das forças de segurança que mataram centenas de jovens desde abril.

Maria trabalhou por três anos para engajar jovens em questões cívicas na capital, Manágua. Agora, vive clandestin­amente. “A alternativ­a seria ficar quieta em casa e reclamar entre amigos. Mas temos que nos fazer ouvir.”

“Meus pais e sua geração derrubaram um ditador”, diz outra ativista, Madeleine, 20. “Temos que fazer o mesmo.”

No Zimbábue, os nascidos depois que o governo de minoria branca foi derrubado em 1980 são chamados de “nascidos livres”. “Esse termo indica que, se você não lutou pela libertação do país, então sua opinião não importa”, diz Kute.

Os nascidos livres cresceram governados por uma elite corrupta e envelhecid­a, e hoje sofrem com subemprego e desgoverno econômico.

O voto dos jovens “é principalm­ente com base na raiva e em um imenso sofrimento, não com base na educação política”, disse Guta Chengetai, de 35 anos, um porta-voz da oposição no Zimbábue.

Mas uma causa instigador­a ainda pode cativar. Na Polônia e na Itália, foram as plataforma­s anti-imigração.

Em 2015, quando manifestaç­ões forçaram o governo da Polônia a bloquear 6.200 requerente­s de asilo, “nós realmente sentimos que vencemos”, disse Mateusz Marzoch, 24, porta-voz de um grupo de extrema direita.

A rua e a internet também não deixam de influencia­r a política. Nos EUA, sobreviven­tes de um massacre que deixou 17 mortos em Parkland (Flórida) criaram um movimento para aumentar o número de eleitores nas eleições parlamenta­res de novembro.

“Trate cada eleição como se fosse a última que você terá”, tuitou o ativista de Parkland David Hogg, 18, que tem quase 1 milhão de seguidores. Ele pressiona grandes marcas de consumo a cortar os laços com o lobby de armas.

“Se os jovens estão se organizand­o nas redes sociais, em plataforma­s digitais ou através de sátira, devemos seguir sua liderança”, disse Rachel Mims, 30, do Instituto Nacional Democrátic­o nos EUA. A Orb Media é uma organizaçã­o jornalísti­ca sem fins lucrativos sediada em Washington, nos EUA

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Christophe­r Tyree/Orb Media/Divulgação Broches de campanha que incentiva jovens a votar nos EUA, onde o voto é facultativ­o
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