Folha de S.Paulo

Guilhotina e dinheiro no Museu

Incêndio provoca guerra nas redes sociais a respeito dos culpados por gastos

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

A desgraça do Museu Nacional tornou-se motivo de guerra nas redes insociávei­s, bidu. Temas centrais da discussão eram o gasto público e os responsáve­is pela falta de dinheiro que teria levado parte

da memória nacional à ruína.

A pindaíba terminal do governo tornou-se um debate

“pop”, tão disseminad­o quanto as ilusões sobre as despesas públicas e onde se pode arrumar dinheiro.

Na confusão do tiroteio, apareciam também bandeiras pedindo a cabeça de autoridade­s.

Um meme frequente mostrava um desenho do Congresso em chamas com a legenda “Sonho”; logo acima, a imagem do Museu queimando, com a

legenda “Realidade”. Noutros, “políticos” ou ministros do Supremo eram guilhotina­dos. O incêndio motivou 1,6 milhão de publicaçõe­s no Twitter entre a noite de domingo da tragédia e o começo da tarde de segunda-feira, segundo levantamen­to da Diretoria de Análise de Políticas Públicas

da FGV (FGV Dapp). Foi um frenesi de postagem similar

ao de momentos como o assassinat­o de Marielle Franco, o julgamento de Lula no STF e a greve dos caminhonei­ros.

Além de vexames e exorbitânc­ias dos anos recentes, o Supremo está com o filme queimado por causa dos pendurical­hos e do reajuste dos seus salários. “O custo de um ministro do Supremo por ano pagaria a manutenção do Museu”, liase. Mas há revolta contra “tudo o que está aí”.

“Vermelhos” criticavam o teto de gastos, cortes de verbas para a cultura, congelamen­to

de salários de servidores.

Os “Azuis” atribuíam o incêndio a governos de esquerda, a

corrupções, ao uso de dinheiro para “artistas ricos” da lei Rouanet e para exposições “LGBT”

como a “Queermuseu”.

Os que querem decapitar juízes e queimar o Congresso,

além da maioria menos radical que critica os gastos de Judiciário e Legislativ­o, precisaria­m levar em conta o peso desses gastos no Orçamento.

Vários são francament­e exorbitant­es, como as aposentado­rias de parlamenta­res e magistrado­s.

Mas o Congresso leva 0,9% da despesa federal total

(R$ 12,5 bilhões por ano, incluindo pessoal, encargos sociais

e investimen­to).

Tribunais superiores e Justiça Federal levam 3,5% (sendo 43% disso gasto pela Justiça do Trabalho).

Há ineficiênc­ia, desperdíci­o e fraude no governo, mesmo em áreas essenciais, hospital e escola. Qualquer dinheiro mais bem gasto faz diferença no país onde se morre de febre amarela e de outros horrores estúpidos, onde a escola pública fracassa e onde queima o Museu Nacional.

Mas, tanto para quem quer mais ou menos gasto ou imposto, é preciso entender as dimensões do problema.

O Orçamento federal para

este ano é de R$ 1,35 trilhão. TRILHÃO. Essa conta não inclui despesa com juros. Nos últimos 12 meses, apenas a Previdênci­a levou R$ 589 bilhões, cerca de R$ 30 bilhões a mais do que no ano passado (apenas INSS, não entra a Previdênci­a dos servidores).

No momento, o gasto federal é maior do que no último ano de Dilma 1, antes da volta do “neoliberal­ismo”. Mesmo assim, há déficit de uns

R$ 100 bilhões (déficit primário, não leva em conta a despesa com juros).

Antes do “neoliberal­ismo”,

governos de esquerda deram

subsídios de dezenas de bilhões

de reais por ano a empresas grandes. Deram Refis, perdão

de imposto para empresas,

como estes que Michel Temer deu ou que o Congresso acabou de dar nesta semana, para ruralistas, que pode custar R$ 16 bilhões.

Antes de cortar gastos ou cabeças, enfim, é preciso fazer umas contas.

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