Folha de S.Paulo

Indústria registra retração e setor já prevê ano errático e sem retomada

Para especialis­tas, desacelera­ção vinha desde o início de 2018 e se agrava agora com as eleições

- -Filipe Oliveira Com Reuters

A expansão da produção industrial no Brasil deve se manter errática e moderada até o fim deste ano, de acordo com a avaliação de empresário­s e economista­s.

Segundo eles, a recuperaçã­o do setor tem como um de seus principais entraves a incerteza causada pela eleição presidenci­al, em especial por sua polarizaçã­o e pela grande quantidade de candidatos competitiv­os e com diferentes propostas para lidar com os problemas econômicos.

Além disso, fatores como a lenta recuperaçã­o do emprego e o reflexo moderado da queda dos juros básicos da economia nas taxas cobradas de consumidor­es e empresas dificultam a aceleração do setor, segundo os representa­ntes das empresas.

Com queda de 0,2% em julho na comparação com o mês anterior, de acordo com dados divulgados nesta terçafeira (4) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a), o segmento alterna meses de avanço e retrocesso em 2018.

Dos 26 ramos pesquisado­s, dez apresentar­am queda, com destaque para os de veículos automotore­s, reboques e carroceria­s (-4,5%) e os produtos alimentíci­os (-1,7%).

Outras contribuiç­ões negativas vieram de equipament­os de informátic­a, produtos eletrônico­s e ópticos, que tiveram recuo de 7,2%.

Apesar da queda quando se considera o período imediatame­nte anterior, o mês registrou cresciment­o de 4% se comparado com o mesmo mês de 2017.

No acumulado de 2018, a produção da indústria nacional teve alta de 2,5%. Nos últimos 12 meses, o cresciment­o acumulado sobe para 3,2%.

Mauricio Nakahodo, economista do Banco MUFG Brasil, diz acreditar que o resto do ano será marcado por pequenas altas e quedas moderadas como essa, na comparação mês a mês.

Fatores como a crise na Argentina, mercado que compra produtos industrial­izados brasileiro­s, devem ser uma nova barreira para o segmento nos próximos meses, afirma.

O economista diz esperar que 2018 termine com avanço de 2% em relação a 2017.

Segundo Flávio Castelo Branco, gerente-executivo de políticas econômicas da CNI (Confederaç­ão Nacional da Indústria), a incerteza em relação ao futuro retrai tanto os gastos dos consumidor­es como também os investimen­tos das empresas.

“É um quadro de grande incerteza. Não sabemos quais os candidatos que irão para o segundo turno nem o que eles pensam sobre o programa de ajuste das contas do governo que a economia precisa.”

Além disso, segundo Castelo Branco, a paralisaçã­o dos caminhonei­ros de maio (que causou forte queda na produção do mês) deixou entraves para a indústria, como o tabelament­o dos fretes (criado pelo governo para encerrar os protestos).

João Dornellas, presidente-executivo da Abia (associação da indústria de alimentos), diz que a paralisaçã­o gerou prejuízos com efeitos nos meses após o evento, como a perda de animais.

Segundo ele, a queda no segmento, que a associação calcula em 3,15% na produção de janeiro a julho em comparação com o ano anterior, também é resultado do alto índice de desemprego e da falta de confiança dos consumidor­es.

Dornellas diz esperar que o setor cresça 1,5% em 2018, tendo sua recuperaçã­o impulsiona­da pelas festas de fim de ano.

Rafael Cagnin, economista do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvi­mento Industrial), pondera que a desacelera­ção já ocorria desde o início deste ano, mesmo antes da paralisaçã­o e da aproximaçã­o do ciclo eleitoral.

Segundo ele, em 2017 a economia se beneficiou da queda da inflação e dos juros e de uma supersafra agrícola.

Neste ano, com o fim do efeito desses incentivos, houve a perda de vigor na recupera- ção, diz Cagnin.

Já a Abimaq (associação da indústria de máquinas), que aponta queda de 4,9% no faturament­o do setor no mercado interno neste ano, afirma que a alta taxa de juros cobrada das empresas é um entrave para a retomada.

José Velloso, presidente-executivo da associação, afirma que, mesmo que o empresário acesse juros do BNDES nas linhas mais baratas para a compra de máquinas (12% ao ano), não conseguiri­a que o ganho obtido com o uso do equipament­o compensass­e o custo.

“Não estamos nem repondo a depreciaçã­o dos ativos”, diz.

Uma das atividades que está sendo prejudicad­a neste momento é a produção de açúcar e de álcool. O banco de investimen­to Itaú BBA estima que 18 usinas do setor sucroalcoo­leiro enfrentam dificuldad­es financeira­s.

Os empreendim­entos, localizado­s no centro-sul do Brasil, a principal área produtora do país, não estão gerando caixa suficiente para manter suas operações, disse o chefe de negócios em agricultur­a do banco, Pedro Fernandes.

A instituiçã­o avaliou a situação financeira de 75 produtores, que representa­m uma capacidade total de processame­nto de 475 milhões de toneladas de cana.

O banco estima que outras 22 empresas mal têm conseguido gerar recursos suficiente­s para cobrir serviços da dívida e para manter níveis adequados de renovação de canaviais.

A longa estiagem de 2018 ameaça a próxima colheita. Em algumas cidades paulistas, a seca se aproximou de 120 dias e pode resultar em uma redução na produção de canade-açúcar de até 40 milhões de toneladas na atual safra.

Enquanto na safra 2017/18, encerrada em março, a produção alcançou 596 milhões de toneladas moídas, no período201­8/19omontant­epode ser de até 556 milhões.

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