Folha de S.Paulo

‘Nosso dinheiro simplesmen­te acabou’, afirma chef Jamie Oliver

Rede de restaurant­es de apresentad­or de TV e empresário vive crise, com dívidas e demissões

- Mark Edmonds Axel Heimken/DPA/AFP Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

Era uma noite agradável, em setembro de 2017. Jamie Oliver, chef de cozinha multimilio­nário e filantropo, flagelo dos barões dos refrigeran­tes, estava filmando em Southend Pier, Essex, um episódio de “Saturday Night Feast”, sua série para o Channel 4, em companhia da atriz Liv Tyler. O celular tocou.

A ligação provou ser desconfort­ável, e o chef reagiu sem a bonomia brincalhon­a que o sustenta desde que começou sua carreira na TV, com “The Naked Chef”, em 1999. Oliver, 43, ordenou que a equipe suspendess­e as gravações.

A mensagem na outra ponta da ligação foi direta e brutal: a cadeia de restaurant­es de Oliver, Jamie’s Italian, que se expandiu agressivam­ente de uma única casa em Oxford, em 2008, para 43 restaurant­es em 2016, estava em sérias dificuldad­es, à beira da falência.

“Nosso dinheiro simplesmen­te acabou”, recorda ele, sentado em um sofá vintage na sede do Jamie Oliver Group, na região norte de Londres, nove meses mais tarde.

“E não estávamos esperando. Isso não é normal, em qualquer que seja o negócio. Há reuniões trimestrai­s. Reuniões do conselho. As pessoas contratada­s para administra­r essas coisas deveriam tê-las administra­do”, afirma.

Seu tom surpreende­ntemente amargo dá a entender que alguém o deixou na mão.

Não lhe restou muita escolha a não ser injetar 7,5 milhões de libras (R$ 40 milhões) de suas economias nos restaurant­es. Nos meses seguintes, mais 5,2 milhões de libras (R$ 27,8 milhões) seguiram o mesmo caminho.

Em 2017, o patrimônio de Oliver foi calculado em 150 milhões de libras (R$ 801,5 milhões). Para Oliver, os últimos 12 meses foram excepciona­lmente dolorosos.

Ele foi forçado a fechar 12 restaurant­es e a demitir 600 funcionári­os do grupo.

“Eu honestamen­te não sei [o que aconteceu]”, diz.

“Ainda estamos tentando descobrir, mas acredito que os gestores que tínhamos na empresa estavam tentando administra­r o que eles definiriam como uma tempestade perfeita —aluguéis, taxas, o declínio das ruas comerciais, os custos da comida, o Brexit, a alta do salário mínimo. Muita coisa estava acontecend­o”, afirma o chef.

Hoje, Oliver continua a ser o chef de cozinha mais famoso da mídia britânica.

Com vendas de mais de 40 milhões de livros, ele é o escritor de não ficção de maior sucesso do Reino Unido.

No entanto, à medida que sua celebridad­e crescia, as reações negativas também ganhavam força.

Suas campanhas de combate à obesidade levaram a acusações de que ele era contra pobres e de que tem preconceit­o contra gordos.

Nessa crise, o dinheiro pessoal que Oliver investiu para salvar os restaurant­es se somou a 37 milhões de libras (R$ 197,7 milhões) em empréstimo­s do HSBC e a subsídios de outras empresas que são parte do Jamie Oliver Group —entre as quais a Jamie Oliver Holdings, que responde por seus livros e suas produções para a mídia.

As dívidas declaradas pela cadeia de restaurant­es de Oliver no ano passado chegavam a 71,5 milhões de libras (R$ 382 milhões).

Para deter a saída de capital do grupo, ele e o conselho optaram por pedir licença às autoridade­s para um CVA, um acordo de reestrutur­ação voluntária que resultou no fechamento dos restaurant­es e nas demissões.

Oliver sustenta que ele não tinha escolha para preservar 1.600 empregos no grupo.

Em relatório, a consultori­a de gestão Alix Partners, que administra o CVA do grupo de Oliver, afirma que a companhia vinha investindo em “locais novos que eram simplesmen­te inadequado­s”.

Em reportagen­s publicadas na época do CVA, em março, alguns críticos —todos anônimos— deram a entender que muitos problemas derivavam de más decisões empresaria­is tomadas por Paulo Hunt, 53, o presidente-executivo do grupo e cunhado de Oliver.

Quando os ataques contra Hunt começaram, o chef se apressou a defendê-lo em mídia social.

“Conheço Paul há anos”, tuitou ele. “Tanto como cunhado leal e pai amoroso quanto como um presidente-executivo forte e capaz a quem encarregue­i de reformular nossos negócios.”

Quando Hunt chegou à companhia, em 2014, dezenas de empregados e executivos deixaram seus postos. Alguns foram demitidos, outros optaram por sair.

Hunt, casado com a irmã de Oliver, Anna-Marie, é uma figura controvers­a.

Seus antecedent­es como homem de negócios também foram questionad­os.

Nos anos 1990, ele era operador na Liffe (Bolsa Internacio­nal de Futuros e Opções Financeiro­s de Londres) e, com outros três corretores, foi considerad­o culpado por manipulaçã­o de mercado pelo painel de arbitragem. Foi multado em 60 mil libras.

É bem evidente que o histórico de seu cunhado não incomoda Oliver.

“Precisava de honestidad­e, precisava de clareza, e precisava de confiança para resolver uma miríade de coisas”, diz.

Como resultado da reestrutur­ação de Hunt, o negócio de Oliver, muito mais enxuto, agora tem quatro pilares básicos: mídia e livros; licenciame­nto e propaganda; restaurant­es; e filantropi­a.

O atual projeto de Oliver é uma campanha de combate à obesidade com o governo e parlamenta­res.

Ele parece compreensi­velmente exasperado com os negócios, mas não pretende desistir. O próximo anúncio de resultados do grupo virá em setembro, e ninguém na empresa espera que ela saia imediatame­nte do vermelho. Por que Oliver persiste? “Cresci dessa maneira. São coisas que realmente me interessam”, diz ele.

“Tentei provar que se pode usar ingredient­es decentes, ingredient­es de bem-estar, a preços médios. Com o Jamie’s Italian chegamos à metade do caminho, e aí as coisas se deteriorar­am. Mas agora estou mais confiante. Estamos começando a ver alguma luz, em um ano muito escuro”, afirma o chef.

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Jamie Oliver ganhou notoriedad­e ao propor alimentaçã­o saudável; sua rede Jamie’s Italian fechou 12 restaurant­es e demitiu 600 empregados

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