‘Nosso dinheiro simplesmente acabou’, afirma chef Jamie Oliver
Rede de restaurantes de apresentador de TV e empresário vive crise, com dívidas e demissões
Era uma noite agradável, em setembro de 2017. Jamie Oliver, chef de cozinha multimilionário e filantropo, flagelo dos barões dos refrigerantes, estava filmando em Southend Pier, Essex, um episódio de “Saturday Night Feast”, sua série para o Channel 4, em companhia da atriz Liv Tyler. O celular tocou.
A ligação provou ser desconfortável, e o chef reagiu sem a bonomia brincalhona que o sustenta desde que começou sua carreira na TV, com “The Naked Chef”, em 1999. Oliver, 43, ordenou que a equipe suspendesse as gravações.
A mensagem na outra ponta da ligação foi direta e brutal: a cadeia de restaurantes de Oliver, Jamie’s Italian, que se expandiu agressivamente de uma única casa em Oxford, em 2008, para 43 restaurantes em 2016, estava em sérias dificuldades, à beira da falência.
“Nosso dinheiro simplesmente acabou”, recorda ele, sentado em um sofá vintage na sede do Jamie Oliver Group, na região norte de Londres, nove meses mais tarde.
“E não estávamos esperando. Isso não é normal, em qualquer que seja o negócio. Há reuniões trimestrais. Reuniões do conselho. As pessoas contratadas para administrar essas coisas deveriam tê-las administrado”, afirma.
Seu tom surpreendentemente amargo dá a entender que alguém o deixou na mão.
Não lhe restou muita escolha a não ser injetar 7,5 milhões de libras (R$ 40 milhões) de suas economias nos restaurantes. Nos meses seguintes, mais 5,2 milhões de libras (R$ 27,8 milhões) seguiram o mesmo caminho.
Em 2017, o patrimônio de Oliver foi calculado em 150 milhões de libras (R$ 801,5 milhões). Para Oliver, os últimos 12 meses foram excepcionalmente dolorosos.
Ele foi forçado a fechar 12 restaurantes e a demitir 600 funcionários do grupo.
“Eu honestamente não sei [o que aconteceu]”, diz.
“Ainda estamos tentando descobrir, mas acredito que os gestores que tínhamos na empresa estavam tentando administrar o que eles definiriam como uma tempestade perfeita —aluguéis, taxas, o declínio das ruas comerciais, os custos da comida, o Brexit, a alta do salário mínimo. Muita coisa estava acontecendo”, afirma o chef.
Hoje, Oliver continua a ser o chef de cozinha mais famoso da mídia britânica.
Com vendas de mais de 40 milhões de livros, ele é o escritor de não ficção de maior sucesso do Reino Unido.
No entanto, à medida que sua celebridade crescia, as reações negativas também ganhavam força.
Suas campanhas de combate à obesidade levaram a acusações de que ele era contra pobres e de que tem preconceito contra gordos.
Nessa crise, o dinheiro pessoal que Oliver investiu para salvar os restaurantes se somou a 37 milhões de libras (R$ 197,7 milhões) em empréstimos do HSBC e a subsídios de outras empresas que são parte do Jamie Oliver Group —entre as quais a Jamie Oliver Holdings, que responde por seus livros e suas produções para a mídia.
As dívidas declaradas pela cadeia de restaurantes de Oliver no ano passado chegavam a 71,5 milhões de libras (R$ 382 milhões).
Para deter a saída de capital do grupo, ele e o conselho optaram por pedir licença às autoridades para um CVA, um acordo de reestruturação voluntária que resultou no fechamento dos restaurantes e nas demissões.
Oliver sustenta que ele não tinha escolha para preservar 1.600 empregos no grupo.
Em relatório, a consultoria de gestão Alix Partners, que administra o CVA do grupo de Oliver, afirma que a companhia vinha investindo em “locais novos que eram simplesmente inadequados”.
Em reportagens publicadas na época do CVA, em março, alguns críticos —todos anônimos— deram a entender que muitos problemas derivavam de más decisões empresariais tomadas por Paulo Hunt, 53, o presidente-executivo do grupo e cunhado de Oliver.
Quando os ataques contra Hunt começaram, o chef se apressou a defendê-lo em mídia social.
“Conheço Paul há anos”, tuitou ele. “Tanto como cunhado leal e pai amoroso quanto como um presidente-executivo forte e capaz a quem encarreguei de reformular nossos negócios.”
Quando Hunt chegou à companhia, em 2014, dezenas de empregados e executivos deixaram seus postos. Alguns foram demitidos, outros optaram por sair.
Hunt, casado com a irmã de Oliver, Anna-Marie, é uma figura controversa.
Seus antecedentes como homem de negócios também foram questionados.
Nos anos 1990, ele era operador na Liffe (Bolsa Internacional de Futuros e Opções Financeiros de Londres) e, com outros três corretores, foi considerado culpado por manipulação de mercado pelo painel de arbitragem. Foi multado em 60 mil libras.
É bem evidente que o histórico de seu cunhado não incomoda Oliver.
“Precisava de honestidade, precisava de clareza, e precisava de confiança para resolver uma miríade de coisas”, diz.
Como resultado da reestruturação de Hunt, o negócio de Oliver, muito mais enxuto, agora tem quatro pilares básicos: mídia e livros; licenciamento e propaganda; restaurantes; e filantropia.
O atual projeto de Oliver é uma campanha de combate à obesidade com o governo e parlamentares.
Ele parece compreensivelmente exasperado com os negócios, mas não pretende desistir. O próximo anúncio de resultados do grupo virá em setembro, e ninguém na empresa espera que ela saia imediatamente do vermelho. Por que Oliver persiste? “Cresci dessa maneira. São coisas que realmente me interessam”, diz ele.
“Tentei provar que se pode usar ingredientes decentes, ingredientes de bem-estar, a preços médios. Com o Jamie’s Italian chegamos à metade do caminho, e aí as coisas se deterioraram. Mas agora estou mais confiante. Estamos começando a ver alguma luz, em um ano muito escuro”, afirma o chef.