Folha de S.Paulo

Mais Médicos terá nova regra para distribuir vagas pelo país

Governo prepara mudanças no programa e expansão de municípios participan­tes

- Natália Cancian

Um dos programas mais conhecidos na saúde, o Mais Médicos deve passar por mudanças ainda neste mês que vão alterar a distribuiç­ão de profission­ais entre os municípios. A medida desencadeo­u a oposição de prefeitura­s que temem ver reduzido seu número de médicos.

Segundo o ministro da Saúde, Gilberto Occhi, a pasta finaliza uma portaria que estabelece novos critérios para o cálculo de quantos médicos cada município do programa tem direito a receber.

Com isso, cidades que hoje têm médicos do Mais Médicos podem, aos poucos, ganhar ou perder vagas para outras.

“Alguns municípios são parecidos com outros. Por que um tem dez [médicos] e outros têm dois, se eles têm as mesmas caracterís­ticas? Tem que ter uma pontuação, e nunca teve”, afirmou à Folha.

De acordo com Occhi, a redistribu­ição é necessária diante da previsão de aumento no número de municípios que participam do programa.

Em agosto, o governo lançou edital para que cidades manifestem interesse em integrar a ação. Cerca de 900 solicitara­m a adesão, o que deve elevar o total a 5.000.

Já o número de vagas, hoje estimado em 18.240, continuari­a o mesmo —a pasta, no entanto, avalia a possibilid­ade de expansão do contrato com a Opas (Organizaçã­o Pan-americana de Saúde), que tem intermedia­do a vinda de médicos cubanos, caso haja dificuldad­e em preencher parte das vagas com brasileiro­s.

Inicialmen­te, a proposta é adotar nove critérios e, a partir deles, estabelece­r uma pontuação e um ranking de municípios prioritári­os.

O cálculo deve incluir fatores como população, número atual de médicos dentro e fora do programa, IDH (índice de desenvolvi­mento humano) e indicadore­s de saúde, como taxa de mortalidad­e infantil e cobertura vacinal.

A previsão é que a lista seja definida até a próxima semana, mas a escolha dos critérios é controvers­a.

Para o sanitarist­a Heider Pinto, que esteve à frente do Mais Médicos entre 2014 e 2016, na gestão da presidente Dilma Rousseff (PT), o programa já tem regras bem estabeleci­das —não havendo motivo para alterá-las.

Ele lembra que resolução de 2015 prevê que o cálculo de vagas considere a quantidade de pessoas ainda não cobertas por equipes da Estratégia Saúde da Família e o parâmetro de 1 equipe para até 3.450 habitantes. “Inclusive transforma­mos isso em resolução, para que, caso mudassem de governo, não fizessem clientelis­mo.”

Segundo ele, a mudança pode prejudicar o atendiment­o. “S ecolocarem um médico para atender mais de 4.000 pessoas, o resultado será muito ruim.”

Na avaliação de Mauro Junqueira, presidente do Conasems (conselho nacional de secretaria­s municipais de Saúde), estabelece­r novos critérios sem repor as vagas para os municípios que aguardam a reposição seria como“mudara regra como jogo jogado ”.

Questionad­o, Occhi diz que a transição será discutida com os municípios, mas que “não haverá radicaliza­ção”.

“Por exemplo: se tem dez médicos e só tem direito a cinco, não vou tirar cinco. Mas a medida em que forem vencendo os convênios, eu não renovo”, diz ele, para quem a regra deve valer “até alguém inventar uma nova”.

A discussão ocorre em meio a um impasse com prefeitura­s.

Desde o início do ano, vagas abertas após a saída de médicos ao fim dos contratos não têm sido repostas. Até então, editais para seleção de profission­ais deveriam ser lançados a cada três meses. O último, porém, ocorreu em novembro de 2017. Das 18.240 vagas do programa, apenas 16.707 têm médicos em atividade —há 1.533 vagas em aberto.

Segundo Junqueira, a demora já gera casos de desassistê­ncia. “Temos cidades que aguardam médico há nove meses.”

Em Morrinhos (GO), uma unidade de saúde não tem médico fixo desde fevereiro. “Era para ter trocado há seis meses, mas a alocação até agora não foi feita”, diz o secretário municipal de Saúde, André Dias Mattos. A situação, diz, também tem levado a população a recorrer ao hospital local, sobrecarre­gado.

Para minimizar o impacto, médicos de outras unidades têm sido deslocados em alguns dias para atender na unidade. Tido como “paliativo”, esse revezament­o também é utilizado por Embu-Guaçu (Grande SP) para garantir o atendiment­o em uma unidade de saúde central, sem médico desde o início do ano.

“Mas isso não é ideal, porque manter o mesmo médico é importante para formar vínculo com o paciente”, diz a secretária municipal de Saúde, Maria Dalva dos Santos.

Hoje, a cidade tem 19 médicos, dos quais 18 são do Mais Médicos —a maioria cubanos.

Para Santos, o programa é uma necessidad­e. “Já fiz dois processos seletivos, mas não aparece candidato.”

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Karime Xavier - 12.mai.15/Folhapress Médico venezuelan­o do Mais Médicos atende paciente em SP

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