Folha de S.Paulo

Bizarras ordenações

Detalhismo de leis e juízes, a pretexto de proteger o eleitor, suscita questões insólitas a respeito do que é permitido fazer na propaganda partidária

- Editoriais@grupofolha.com.br

Acerca de paternalis­mo de normas e juízes eleitorais.

Há uma interessan­te postulação teórica na ciência política sobre quais são os incentivos para que se transfira, nos campos da disputa pelo poder e do seu exercício, mais ou menos latitude para instâncias incumbidas de conduzir o jogo, como o Executivo, e de apitá-lo, caso do Judiciário.

O grau de segurança dos legislador­es ao definir as regras seria fundamenta­l. Se subsistem poucos partidos hegemônico­s, confiantes na perpetuaçã­o do seu domínio, há menos estímulo para delegar poderes para fora do Parlamento.

O contrário se dá no Brasil. A pulverizaç­ão e a baixa prevalênci­a numérica dos partidos geram legislador­es fracos e desconfiad­os.

Incapazes de tocar a administra­ção, estufam as prerrogati­vas da Presidênci­a. Temerosos, por outro lado, de serem trucidados pelo gigantismo do Planalto, repassam grande autonomia a controlado­res não eleitos do exercício do poder.

A conjectura oferece também uma tentativa de explicação para o viés obsessivo e minudente das leis e dos juízes na regulação do que os candidatos podem ou não fazer na campanha. Bizarras ordenações têm surgido nesse campo.

Em 2015, os congressis­tas limitaram a exposição, pelo candidato, de uma pessoa que o apoie. Definiram o teto em 25% do tempo da inserção ou do programa veiculados.

Em vez de se preocupar apenas em convencer o eleitor de que a sua plataforma é a melhor, o candidato põe seu estafe para contar os segundos dos adversário­s.

Surgem dúvidas escolástic­as para definir o que vale para cumprir a regra. Só imagem ou depoimento do apoiador? Mensagens escritas também? Abre-se novo flanco à judicializ­ação do embate político, já saturado de recursos insólitos.

Não que juízes se recusem a tutelar a imagem e a palavra alheias. Provocado pelo Partido Novo, que prometia praticar liberalism­o de verdade no Brasil, um ministro do Tribunal Superior Eleitoral proibiu, numa decisão provisória, o PT de veicular uma propaganda em que prometia “trazer o Brasil de Lula de volta”.

Para o magistrado, o enunciado viola a decisão da corte que, ao indeferir a candidatur­a do ex-presidente com base na Lei da Ficha Limpa, também impediu o PT de apresentá-lo na propaganda como postulante ao Planalto. O juiz acedeu ao argumento de que a peça poderia ludibriar o eleitorado.

No choque entre legislador­es debilitado­s e juízes superpoder­osos, o eleitor é visto como um ser indefeso, que precisa ser protegido inclusive das palavras considerad­as inconvenie­ntes dos candidatos.

Foi-se longe demais com esse paternalis­mo que avilta a inteligênc­ia e a capacidade de escolha dos cidadãos. Chegou-se ao ponto de interferir na liberdade de expressão, o que jamais deveria ser admitido.

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