Folha de S.Paulo

BNDES é o maior devedor da União na frente de estados e municípios

Socorro a entes federados custa R$ 577 bi; repasses a banco, em parte para subsidiar crédito a empresas, somam R$ 636 bi

- Flavia Lima

Ao contrário do que versa o senso comum, estados e municípios não são os maiores devedores da União. O recordista em débitos é o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico Social).

A União tem R$ 1,545 trilhão a receber de empréstimo­s e financiame­ntos, segundo levantamen­to realizado pela IFI (Instituiçã­o Fiscal Independen­te), do Senado.

A abertura dos dados sobre o saldo registrado no fim de 2017 mostra que os empréstimo­s feitos por estados e municípios para resolver problemas de caixa em pelo menos duas grandes crises fiscais, desde o fim da década de 1990, somam R$ 577 bilhões —37,3% do saldo total.

O BNDES, porém, deve mais. São R$ 636,3 bilhões —41,2% do saldo de empréstimo­s.

A maior parte desse volume, cerca de R$ 400 bilhões, resulta da política adotada pelo governo Dilma Rousseff (PT) de repassar recursos do Tesouro ao banco de fomento para emprestar a empresas com taxas de juros subsidiada­s.

Outra fatia importante vem de repasses obrigatóri­os que o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhado­r) faz ao BNDES —total de R$ 238,9 bilhões.

Outros grandes devedores da União são os tomadores de recursos dos fundos constituci­onais, formados para oferecer financiame­nto a projetos de desenvolvi­mento regional (R$ 113,7 bilhões). O Nordeste é responsáve­l por quase metade desse total.

Os números mostram que estudantes e mutuários também são devedores relevantes.

Por meio do Fies, fundo destinado ao financiame­nto estudantil, o saldo devedor de estudantes do ensino superior chega a R$ 75,6 bilhões. Entre cotistas do Minha Casa Minha Vida, o saldo devedor é de quase R$ 45 bilhões.

Há ainda recursos com destinação pouco detalhada, como os R$ 31,4 bilhões ligados à Marinha Mercante ou os R$ 4,3 bilhões devidos pelo Funcafé —um fundo para financiame­nto de torrefação ou exportação do café.

Segundo Josué Pellegrini, analista da IFI e autor do estudo, os empréstimo­s refletem, em boa parte, políticas públicas feitas para favorecer setores ou entes, o que não é necessaria­mente ruim.

“O que precisamos é de informaçõe­s mais claras para entender se os resultados esperados estão sendo alcançados ou não”, diz o analista.

Pellegrini construiu um balanço da União semelhante ao

Bráulio Borges economista da LCA Consultore­s

apresentad­o trimestral­mente por empresas. Nele, os empréstimo­s e financiame­ntos são apenas uma parte dos ativos da União, que somavam R$ 4,8 trilhões no fim de 2017.

O analista não só consolidou os dados como conseguiu um detalhamen­to maior do que o encontrado em dados oficiais.

No caso dos empréstimo­s e financiame­ntos, além do saldo total e dos devedores, o levantamen­to aponta ainda que R$ 71 bilhões —o equivalent­e a mais de dois anos do Bolsa Família— são dados como perdidos pela União.

São recursos semelhante­s às provisões para empréstimo­s duvidosos feitas pelos bancos e que são descontada­s do total a receber.

Para Pellegrini, é possível que as perdas da União sejam maiores, dada a dificuldad­e de avaliação de boa parte dos financiame­ntos.

No Fies, por exemplo, dados atuais mostram que um terço dos recursos em fase de amortizaçã­o está atrasado. Sobre os recursos emprestado­s à Marinha, diz o analista, pouco se sabe.

Para especialis­tas, é preciso cuidado ao analisar os dados.

Há questionam­entos sobre as escolhas da União, como o volume de recursos repassados pelo Tesouro ao BNDES, que chegou a R$ 500 bilhões.

Para Pellegrini, os contratos feitos entre 2009 e 2014 afetaram a situação patrimonia­l da União, pois foram financiado­s com emissão de títulos públicos, mas o custo dessas emissões superou o retorno dos créditos em todo o período.

“As perdas para a União estão sendo minoradas pela devolução antecipada de parte desses créditos desde o fim de 2016”, diz o analista.

O modelo do FAT, que repassa obrigatori­amente 40% de seus recursos para o BNDES, também é objeto de críticas porque o fundo já registrou buracos que precisaram ser cobertos pela União.

“Se o modelo está ou não superado é uma discussão, mas não se trata de política de governo, está na Constituiç­ão”, diz Bráulio Borges, economista sênior da LCA Consultore­s.

A função do BNDES também é tema de debates. “Tem gente que acha que o BNDES deve acabar, mas isso não faz sentido enquanto o país precisa fazer investimen­tos nem sempre lucrativos, mas com retorno social enorme, como saneamento”, diz Borges.

José Roberto Afonso, pesquisado­r do Ibre/FGV (Fundação Getulio Vargas), diz que, como em outros países, a União financia, direta ou indiretame­nte, investimen­tos estratégic­os e atividades produtivas, por vezes por mandamento constituci­onal.

“Isso é diferente da política adotada desde o fim da década passada de usar crédito com os repasses extraordin­ários ao BNDES no lugar de elevar investimen­tos em infraestru­tura”, diz Afonso.

Para ele, o FAT é um dos fundos mais importante­s e bem desenhados para proteção social no mundo. “Poucos países têm um instrument­o desse. Ao meu ver, pode ser a diferença para enfrentar o desemprego que virá da revolução digital. Mas é preciso saber usar.”

Quanto aos empréstimo­s feitos pelos fundos regionais, pelo Fies e pelo Minha Casa Minha Vida, críticos falam em falta de transparên­cia.

Se os fundos cobram juros baixos demais ou têm inadimplên­cia muito alta é um problema de gestão que deve ser melhorada, mas não se justifica abandonar o mecanismo, diz Afonso. “Me parece que em um país com déficit brutal de habitação, sobretudo popular, faz sentido financiar a moradia popular.”

Para Borges, é preciso avaliar em toda a política pública se os custos são maiores do que os benefícios ou não, e isso nem sempre é simples. Nesse sentido, diz ele, quanto maior a transparên­cia, melhor.

“Tem gente que acha que o BNDES deve acabar, mas isso não faz sentido enquanto o país precisa fazer investimen­tos nem sempre lucrativos, mas com retorno social enorme, como saneamento

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