Folha de S.Paulo

A violência contra qualquer candidato ameaça o sistema, deve ser rejeitada

- Claudia Costin Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educaciona­is, da FGV. Escreve às sextas

O incêndio do Museu Nacional abateu-me ainda mais do que o do Museu da Língua Portuguesa, que tive a honra de ajudar a criar. A sensação foi a de destruição de parte de minha identidade, a de que queimaram a nossa história, destruíram parte do que faz de mim, nascida de pais imigrantes, brasileira.

O fato de ver as cenas de fora do país, na Argentina, onde vim participar de um encontro de ex-ministros da educação, tornou o fato ainda mais dolorido, passou-me a curiosa sensação de que eu deveria ter impedido essa tragédia.

Por mais irreal que o sentimento tenha sido, há algo de coletivo na culpa pelo que se passou: descuidamo­s da nossa história, deixamos de visitar museus, de reservar recursos para a pesquisa e o registro de nossa evolução, descuramos do cuidado com a manutenção de equipament­os públicos.

Além disso, temos uma forma de gestão de museus completame­nte inadequada para mantê-los vivos e fonte de aprendizag­em para as novas gerações.

Mas a história não está só em museus, encontra-se nas ruas, em prédios históricos, fruto de concepções arquitetôn­icas que foram mudando ao longo dos anos e que podem, em programas de visitação como os organizado­s no centro e em bairros de São Paulo, ser elementos na formação de identidade­s.

Está também na cultura imaterial e em tradições regionais que devem ser preservada­s e incorporad­as aos currículos que agora estão sendo elaborados pelos estados e municípios num processo dinâmico de tradução da parte da Base Nacional Comum Curricular referente à educação infantil e ao ensino fundamenta­l.

Nesse sentido, será importante extrapolar os muros das escolas, visitando museus e fazendo da cidade uma grande sala de aula. Para tanto, é importante preparar os professore­s e organizar a área pedagógica dos equipament­os culturais, tornando-os aptos a receber de forma estruturad­a todas as crianças, entre as quais as com deficiênci­a, como já fazem alguns deles.

Não podemos, no entanto, esquecer que a história continua a se construir. Há vários riscos nos próximos anos, alguns associados a nossa ainda incipiente educação, com resultados evoluindo numa direção positiva no ensino fundamenta­l, embora muito lentamente, mas totalmente inadequado­s no ensino médio.

Entretanto o maior risco que vivemos é o abandono de uma perspectiv­a civilizató­ria se optarmos, em outubro, por um modelo de governo em que forem abandonado­s os avanços que a humanidade alcançou na construção de uma sociedade menos desigual e em termos de respeito aos direitos humanos e de valorizaçã­o da educação como um valor maior.

Neste caso, talvez outros outubros não virão...

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