Folha de S.Paulo

Justiça sem fundo

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Sobre gastos do Judiciário e pressões de magistrado­s.

A aritmética basta para compreende­r a crise orçamentár­ia brasileira. Por décadas, as despesas públicas aumentaram em ritmo superior ao da renda nacional, uma prática que não pode ser mantida por prazo indetermin­ado —ou se verão esgotados os recursos necessário­s para o custeio do Estado.

O governo decerto tem capacidade de endividame­nto elevada, mas dependente da confiança do mercado credor. Esta se encontra perto de seu limite, por bons motivos.

Essa lógica singela não parece convencer o Poder Judiciário, cujos gastos tiveram alta de 4,4% acima da inflação em 2017, conforme números recém-divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O montante chegou a R$ 90,8 bilhões, 90,5% dos quais destinados a pagamento de pessoal.

Verdade que houve melhora na produtivid­ade dos magistrado­s, que avançou 3,3% em relação a 2016. Não foi o suficiente, porém, para fazer frente à elevação do número de processos. A quantidade de casos que aguardam uma solução definitiva cresceu pelo nono ano consecutiv­o, atingindo a marca de 80,1 milhões.

A perspectiv­a para os próximos anos é de dispêndios ainda maiores, uma vez que há acordo entre as cúpulas do Judiciário e do Executivo para majorar em 16,4% os salários dos magistrado­s federais. Dada a existência do formidável efeito cascata, o aumento se espalhará para juízes estaduais, procurador­es e até carreiras não jurídicas.

Não serve de atenuante o alegado entendimen­to —entre o próximo presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, e o Palácio do Planalto— para dar fim ao pagamento generaliza­do de auxíliomor­adia a magistrado­s, aliviando parcialmen­te a conta do reajuste.

O benefício descabido, afinal, é objeto de uma ação direta de inconstitu­cionalidad­e, devendo ser julgado à luz do direito. Estarrece imaginar que a decisão a ser tomada pela mais alta corte do país passe por uma barganha envolvendo interesses diretos dos ministros.

Nem se pode assegurar, ademais, que a categoria aceitará tal acerto. Já se noticia que os magistrado­s — cada um custa, em média, R$ 48,5 mil mensais aos cofres públicos— se mobilizam para garantir outro pendurical­ho extrassala­rial, o auxílio-alimentaçã­o.

O Judiciário consome o equivalent­e a 1,38% do Produto Interno Bruto, enquanto tal proporção dificilmen­te se aproxima de 0,5% nos principais países. Tal disparidad­e nem de longe se faz acompanhar de mais rapidez e eficiência.

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