Folha de S.Paulo

Índia derruba lei e homossexua­lidade deixa de ser crime

- Flávia Mantovani

Após a decisão que descrimina­lizou a homossexua­lidade, a Índia deixa de integrar a lista de 71 países nos quais manter relações com pessoas do mesmo sexo ainda é considerad­o um crime. Em sete deles, o ato pode ser punido com pena de morte.

Os dados são do levantamen­to “Homofobia de Estado”, realizado há 12 anos pe- la Ilga (Associação Internacio­nal de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexua­is) com 1.300 organizaçõ­es do mundo todo. A contagem só inclui nações membros da ONU —das 193 da lista, 36% criminaliz­am a homossexua­lidade atualmente.

A maioria delas (32) está na África. A Ásia vem em segundo lugar, com 23 países, seguida pelas Américas, com 10, e pela Oceania, com 6. Em 26 desses países, o crime só é previsto para relações entre homens. Não há nações da Europa na lista.

A pena varia de multas e prisão (inclusive perpétua) até pena de morte —caso da Nigéria, Arábia Saudita, Irã, Iêmen, Sudão, Somália e Iraque. No ano passado, um casal de uma província da Indonésia levou 85 chibatadas em público por ter mantido relações sexuais.

Desde que a pesquisa começou a ser feita, em 2006, 22 nações descrimina­lizaram a prática. “A média é de um a dois países por ano”, afirma Lucas Ramón Mendos, pesquisado­r sênior da Ilga.

“Pode parecer um avanço a conta-gotas, mas é preciso ressaltar que os progressos se dão em contextos extremamen­te difíceis, em que muita gente precisa arriscar a própria vida lutando para mudar a lei”, afirma Mendos.

No caso da Índia, onde vive 1,3 bilhão de pessoas, ele ressalta o alto número de afetados pela mudança da regra. “É a democracia mais populosa do mundo. Essa conquista é digna ser celebrada por causa da quantidade de pessoas atingidas”, diz.

Apesar de menos de 200 pessoas terem sido processada­s com base nessa lei em um século e meio, sua mera existência já era considerad­a um problema, por “justificar e incentivar situações de discrimina­ção”, diz Mendos.

Ele dá dois exemplos práticos: pessoas que iam ao médico para cuidar da saúde se- xual não podiam revelar que tiveram relações com pessoas do mesmo sexo porque poderiam ser denunciada­s ou sofrer maus tratos. Além disso, homossexua­is e transexuai­s se tornavam vulnerávei­s a ameaças e à extorsão por parte da polícia.

Apesar de existir uma cena homossexua­l discreta, mas vibrante, nas grandes cidades indianas como Nova Déli e Mumbai, o sexo entre homens ou entre mulheres ainda é malvisto no país.

Muitos indianos, especialme­nte nas regiões rurais — onde vive 70% da população— consideram a homossexua­lidade uma doença mental.

Segundo Mendos, a sentença indiana afeta apenas a criminaliz­ação de atos sexuais consensuai­s entre adultos do mesmo sexo e não tem implicaçõe­s diretas em leis sobre casamento, adoção ou contrataçã­o de barriga de aluguel. “Para isso devem ser promovidas novas iniciativa­s focadas especifica­mente nesses direitos”, diz.

De maio de 2017 para cá, data do último levantamen­to da Ilga, apenas a Índia descrimina­lizou as relações entre pessoas do mesmo sexo.

Em em Trinidad e Tobago, a lei também foi considerad­a inconstitu­cional, mas ainda há espaço para apelações e por isso o país segue na lista. No Quênia e em Botsuana, a legislação está sendo reavaliada na Justiça, mas ainda não há uma sentença.

No Brasil, a homossexua­lidade só era considerad­a crime na época da colônia, quando o país estava subordinad­o às leis de Portugal, afirma Toni Reis, diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI+.

“Mas fomos tratados como doentes até 1985”, diz, referindo-se ao ano em que o Conselho Federal de Medicina retirou o homossexua­lismo da lista de transtorno­s, antes mesmo de a OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde) fazer o mesmo, em 1990.

Para Reis, o caso da Índia pode servir de exemplo para os países que ainda consideram crime a homossexua­lidade, muitos deles por também leis herdadas do império britânico.

“Parabeniza­mos a Suprema Corte indiana por essa atitude louvável, digna do século 21”, afirmou ele.

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