Folha de S.Paulo

Assassinat­o cultural

- Ruy Castro

O novo filme de Woody Allen, “A Rainy Day in New York”, pronto há um ano, continua engavetado. Seu lançamento, previsto para este mês, foi suspenso “provisoria­mente”. A Amazon, que o produziu, não quer se indispor com os exibidores, os quais temem manifestaç­ões contra o diretor na porta de seus cinemas e possíveis depredaçõe­s. O filme, talvez o derradeiro de Woody, trata do relacionam­ento de um homem de 44 anos com uma jovem de 15.

Allen, um dos cineastas mais queridos do século 20, pode ser obrigado a encerrar a carreira, por ter sido acusado de abusar sexualment­e de sua filha Dylan em 1992, quando ela tinha sete anos. A acusação foi feita por Mia Farrow, algum tempo depois de Allen romper seu relacionam­ento com Mia para ficar com outra filha dela, Soon-Yi, com quem está até hoje. Allen foi julgado duas vezes, em ações diferentes, e nunca se encontrara­m provas contra ele. Nos últimos anos, sem novas provas, passou a ser acusado pela própria Dylan e, agora, pelo irmão dela, Ronan, colaborado­r da revista The New Yorker e especialis­ta em reportagen­s sobre assédio sexual.

Se Woody Allen não puder lançar este filme e nunca mais voltar a filmar, estaremos diante de um assassinat­o cultural. Ele terá sido profission­almente linchado por uma acusação nunca provada. Aos 83 anos, já poderia estar há muito aposentado. E por que continua a fazer filmes? Porque esta é a sua vida.

Desde sua estreia, em 1969, com “Um Assaltante Bem Trapalhão”, há 49 anos, ele lançou exatamente 49 filmes como diretor. Todos tiveram grandes mulheres no elenco. Nenhuma delas jamais o acusou de nada —incluindo Mariel Hemingway, que tinha de 16 para 17 anos quando fez com ele “Manhattan”, lançado em 1979. Allen não é Harvey Weinstein, acusado de assédio por 80 mulheres.

O mercado talvez consiga silenciar Woody Allen. Mas o cinema nunca poderá fingir que ele não existiu.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil