Folha de S.Paulo

Ato extremo lança incertezas sobre radicaliza­ção do pleito

- Igor Gielow

O atentado contra Jair Bolsonaro (PSL), algo inédito contra um candidato a presidente da República desde a redemocrat­ização de 1985, insere mais variáveis de incerteza na já turbulenta campanha de 2018.

O presidenci­ável, se sobreviver às sequelas do grave ataque, tende a ser beneficiad­o politicame­nte pelo episódio.

Mas há alguns fatores concorrend­o contra a expansão dessa simpatia para além de sua base de apoio, hoje cristaliza­da nos cerca de 15% do eleitorado que declaram voto nele espontanea­mente.

O primeiro diz respeito à autoria do ataque. O suspeito de ter esfaqueado o deputado foi filiado ao PSOL e, segundo relatos disponívei­s, parece desequilib­rado.

Alguma conta política cairá para o partido de Guilherme Boulos. Não que isso vá piorar ou melhorar seu desempenho de nanico, mas poderá alimentar o impacto mais importante: na radicaliza­ção já em curso no país.

A primeira reação dos bolsonaris­tas foi previsivel­mente exacerbada, reforçada pela associação à esquerda do agressor. Membros da cúpula militar, reunidos em Brasília, avaliavam conversar com o núcleo familiar da campanha para pedir moderação.

O atentado é o zênite do processo de polarizaçã­o extrema que toma conta do país desde os protestos de junho de 2013.

Naquele momento, forças desorganiz­adas da sociedade explodiram em descontent­amento com o rumo da gestão pública, e a franja à direita que se desenvolve­u a partir dali ganhou corpo com as manifestaç­ões de rua pelo impeachmen­t de Dilma Rousseff em 2015 e 2016.

Historicam­ente eleitora do PSDB, essa fatia da população passou a ser fomentador­a da figura de Bolsonaro.

Se aqueles processos não produziram cadáveres, o extremismo do processo político literalmen­te feriu o líder das pesquisas eleitorais.

Poderá isso gerar um refluxo, uma rejeição à defesa desses extremos associada ao processo de formação da candidatur­a de Bolsonaro?

Ele disputa surfando uma onda de indignação contra o sistema político, independen­temente de ser parte dele.

Para complicar o cenário, a retórica bolsonaris­ta invariavel­mente apela a metáforas violentas. Compara o combate ao crime ideal a uma política de extermínio de bandidos.

Além de sempre associarse ao simbolismo das armas, Bolsonaro até teve de se explicar à Procurador­ia-Geral da República por ter dito que gostaria de “metralhar” petistas.

Nesse sentido, é inconvenie­nte ironia que um candidato que defende armar a população para garantir a segurança pública ter sido alvejado de forma quase fatal por uma prosaica faca de cozinha.

Obviamente, isso não é justificat­iva para violência alguma, como muitos já insinuam em redes sociais. Mas é central para ajudar a entender o caldo cultural em que a campanha eleitoral se desenrola.

É possível especular se o ato extremo poderá levar a um desejo por apaziguame­nto de ânimos no país.

Mas o exato reverso também é uma possibilid­ade, talvez até maior. Ou seja, a agudização do ambiente de crise, com os clamores dos aliados de Bolsonaro, mas não só.

Na internet, por exemplo, já circulavam teorias conspirató­rias sugerindo que o ataque poderia ser uma armação visando dar um empurrão eleitoral a Bolsonaro.

O fato de o deputado quase ter morrido exangue, pelo relato médico disponível, é mero detalhe para quem propaga esse tipo de informação.

Esse cenário de aumento de agressivid­ade só tem paralelo histórico recente com os enfrentame­ntos entre brizolista­s e colloridos no primeiro turno de 1989.

O problema, aqui, é que o patamar da crise é infinitame­nte maior de saída. As investigaç­ões sobre o caso deverão ser fundamenta­is para aclarar o cenário e trazer algum grau de racionalid­ade.

País que teve seu primeiro presidente civil em 21 anos morto antes de tomar posse, o Brasil parece fadado a lances dramáticos.

Em 2014, a morte de Eduardo Campos (PSB) em um acidente de avião quase catapultou sua então vice, Marina Silva, à Presidênci­a.

Se analistas achavam difícil este 2018 ser superado em termos de nebulosida­de eleitoral, o atentado apenas prova que no fundo de todo poço sempre reside um alçapão.

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