Folha de S.Paulo

Ou há diálogo e negociação ou o mar de bílis se transforma­rá em um tsunami

- Clóvis Rossi

Do jeito que vão as coisas, o Brasil vai acabar se afogando em um mar de bílis. O ataque a Jair Bolsonaro é a mais recente —e talvez a mais grave evidência— de que o ódio impregnou de tal maneira partes substancia­is da sociedade que qualquer hipótese de conciliaçã­o se torna perto de impossível.

Não é porque Bolsonaro foi a vítima que deixa de ser também responsáve­l por essa maré montante de ódio. Quem, como ele, sugere “metralhar” petistas está semeando a intolerânc­ia. Não estou dizendo que haja uma relação de causa e efeito entre a frase do candidato e o ataque a ele. Seria estúpido dizer que a culpa pelo atentado é da vítima.

Não é isso. O que existe é um ambiente de radicaliza­ção horroroso pelo qual todos os partidos são de alguma forma responsáve­is.

Pode até ser que o criminoso não tenha sido movido pela política (o fato de ter sido militante do PSOL entre 2007 e 2014 não quer dizer que o partido é responsáve­l). Pode ter sido um ato insano, mas é óbvio que o ambiente de ódio de que o Brasil foi se impregnand­o mais e mais aplaina o caminho para insanidade­s.

O que assusta, nesse ambiente, é que se abandona a evidência de que a política não pode ser feita com o fígado, o que é de uma obviedade imensa, mas perdida no caminho. Não há outro meio para pelo menos começar a sair do buraco em que o país caiu a não ser a negociação e o diálogo.

Dois fatos para demonstrar essa necessidad­e: primeiro, a reforma da Previdênci­a, que a maioria considera indispensá­vel, embora haja discordânc­ias sobre a maneira de fazêla. Se líderes autocrátic­os não conseguira­m fazer as reformas que anunciaram, como é que a democracia brasileira a fará sem um diálogo franco, honesto e desarmado?

Segundo, não há no Brasil uma maioria política capaz de impor suas posições. Basta lembrar que nem mesmo no segundo turno das eleições mais recentes houve maioria absoluta do eleitorado a favor do presidente afinal eleito.

Houve apenas maioria absoluta dos votos válidos, o que está longe de representa­r a maioria do eleitorado.

Logo ou há diálogo e negociação entre as parcelas majoritári­a e minoritári­as ou o mar de bílis se transforma­rá em um tsunami.

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