Justiça indiana descriminaliza homossexualidade
Decisão da Suprema Corte do país afirma que a lei de 1861, que previa pena de prisão de dez anos, é inconstitucional
Por decisão unânime, a Suprema Corte da Índia barrou nesta quinta-feira (6) uma lei do período colonial que criminalizava a homossexualidade no país.
Em decisão histórica que foi seguida de celebrações por todo o país, a corte determinou que a lei criada pelos britânicos em 1861, conhecida como Seção 377, era “discriminatória e inconstitucional”.
O texto dizia que um ato sexual “contra a ordem da natureza” era proibido e previa pena de dez anos de prisão.
Em um século e meio de existência, menos de 200 pessoas foram processadas com base na lei. Apesar disso, a decisão foi considerada uma vitória pela comunidade gay, que ganha espaço no país de 1,3 bilhão de pessoas, o segundo mais populoso do mundo.
“Qualquer discriminação com base em orientação sexual é uma violação de direitos fundamentais”, escreveu o presidente da Suprema Corte, Dipak Mishra. A corte tem cinco juízes.
A decisão cita diversos intelectuais mundialmente conhecidos, como o compositor canadense Leonard Cohen (“Das cinzas dos gays / a democracia está chegando”), o escritor britânico William Shakespeare (“O que há em um nome? O que chamamos rosa / Teria o mesmo cheiro com outro nome”) e o autor alemão Johann Wolfgang von Goethe (“Mas enfim, sou o que sou,/Se assim te sirvo, aqui estou”).
A decisão põe fim a 24 anos de disputa legal sobre a questão. Ações contra a lei foram abertas em 1994 e em 2001, mas ficaram durante anos esperando uma decisão dos tribunais locais.
Em 2009, uma corte de Nova Déli enfim declarou a Seção 377 inconstitucional, mas a decisão foi revertida por membros da Suprema Corte em 2013, que disseram que o Parlamento do país deveria decidir sobre o caso.
Os parlamentares, porém, não chegaram a um consenso para mudar a lei.
O governo nacionalista hindu do premiê Narendra Modi, conservador em questões sociais, optou por não tomar uma posição sobre o assunto e abriu espaço para que Suprema Corte decidisse.
Modi não reagiu à decisão desta quinta-feira. Alguns representantes de seu partido, o Bharatiya Janata, criticaram a medida, mas a direção da sigla já tinha indicado que iria aceitar a decisão.
O opositor Partido do Congresso elogiou uma “vitória sobre o preconceito”. Representante da sigla, Shashi Tharoo afirmou que “entre quatro paredes não há espaço para o governo”.
Logo após o anúncio, comemorações eclodiram nas principais cidades do país. Em Mumbai, muitos foram às ruas para participar de uma marcha, enquanto em Bangalore moradores se enrolaram em bandeiras e soltaram balões com as cores do arco-íris.
Em Nova Déli, a comemoração começou do lado de fora do prédio da Suprema Corte e se estendeu pela cidade.
A comunidade gay ganhou espaço na conservadora sociedade da Índia na última década, especialmente nos grandes centros urbanos. Filmes de Bollywood, a indústria indiana de cinema, por exemplo, passaram a tratar do assunto mais abertamente.
“Nos sentimos cidadãos iguais agora”, disse o ativista Shashi Bhushan. “O que acontece no nosso quarto só diz respeito a nós.”
Apesar de reconhecer que a discriminação vai continuar, ativistas dizem esperar que a descriminalização fomente mais igualdade.
“Não somos mais criminosos, mas vai levar tempo até que as coisas mudem, de 20 a 30 anos talvez”, disse outro ativista, Debottam Saha.