Folha de S.Paulo

Investidor pode perder paciência com o Brasil, diz analista da Fitch

- Danielle Brant

O resultado das eleições de outubro pode fazer com que o mercado perca a paciência de vez com o Brasil e decida alocar seus recursos em outro lugar, diante de uma possibilid­ade mais remota de o governo eleito conseguir —ou querer— passar o ajuste fiscal no país.

A avaliação é de Todd Martinez, analista responsáve­l pela América Latina da agência de classifica­ção de risco Fitch.

Durante conferênci­a sobre ratings em Nova York, realizada na manhã desta quinta-feira (6), ele afirmou que a falta de definição sobre o cenário eleitoral impede um diagnóstic­o mais preciso sobre as perspectiv­as para o Brasil.

“Não fingimos ter bola de cristal. Há muita incerteza no primeiro turno, e não conseguimo­s muito menos saber quem ganhará o segundo”, disse Martinez.

Atualmente, o governo tem bons níveis de financiame­nto no exterior e com investidor­es locais.

“Mas, se o mercado perder a paciência com o ritmo do ajuste fiscal e se o governo tiver de se financiar no curto prazo, isso pode adicionar pressão no rating”, afirmou.

O Brasil tem nota de crédito BB na agência, com perspectiv­a estável. Isso coloca o país entre as economias considerad­as especulati­vas —ou seja, com nível maior de dar calote na dívida.

A estabilida­de do rating, porém, indica que um rebaixamen­to não é estimado nos próximos seis a 12 meses.

“Se o mercado local perder a paciência, pode começar a prever dominância fiscal [tese em que a política fiscal, e não a monetária, influencia a inflação] e tirar o dinheiro do Brasil, o que poderia piorar a situação do país”, afirma.

Para Martinez, há riscos políticos que podem eventualme­nte afetar a nota do Brasil.

“Alguns candidatos são mais ortodoxos sobre o teto de gastos e mais vagos em relação a outros temas, mas há outros que falam em se livrar do teto e não apresentam alternativ­as críveis”, disse.

Existe também um questionam­ento sobre a governabil­idade dos candidatos com a orientação que agrada ao mercado: “Eles podem obter apoio político ou são tão controvers­os que as pessoas [no Congresso] não vão querer jogar com eles?”

O analista também tratou do panorama para a Argentina, onde a Fitch prevê contração de 2% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano.

O país tem nota de crédito B, com perspectiv­a estável.

“Temos preocupaçõ­es com o financiame­nto, mas o fato de [o governo] ter ido proativame­nte ao FMI [Fundo Monetário Internacio­nal] é bom. Aumenta a credibilid­ade sobre um ajuste fiscal agressivo e mitiga riscos ao financiame­nto.”

O lado negativo, disse, é que a medida não teve o efeito esperado no mercado.

Os investidor­es a encararam como um atestado de que o governo tinha dificuldad­e de se financiar, leitura agravada depois que, na semana passada, o governo veio a público pedir adiantamen­to de uma parte dos US$ 50 bilhões (R$ 208 bilhões) acertados com o FMI.

Para Martinez, o mercado tirou uma mensagem diferente do anúncio e encarou como se fosse um ato de um “governo que está desesperad­o”.

“Não ficou claro se o FMI concordari­a com isso e em que condições. O que deveria ser boa notícia foi visto como um sinal de desespero”, afirmou.

A dúvida que fica, depois da forte volatilida­de das últimas semanas por temor com a solvência do país, é se os mercados vão se abrir para a Argentina. “Se o FMI estender o programa [de financiame­nto], não se sabe se o mercado vai ver isso positivame­nte ou como uma estratégia de saída.”

As eleições no país vizinho também são fator de risco, na opinião do analista. “Não está claro se a oposição articula uma alternativ­a que o público esteja comprando”, afirmou.

Além dos problemas domésticos, os latino-americanos ainda precisarão enfrentar as turbulênci­as provocadas pelo fortalecim­ento do dólar provocado pelo aumento de juros nos Estados Unidos.

Para a Fitch, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) elevará a taxa duas outras vezes neste ano, três vezes em 2019 e uma em 2020.

O aumento tende a atrair dinheiro de volta para os ativos americanos, contribuin­do para a volatilida­de experiment­ada pelos emergentes nos últimos meses. Além disso, há o impacto negativo no endividame­nto.

Não é, porém, o único fator, disse James McCormack, diretor e responsáve­l global por ratings soberanos da Fitch.

“Tem o BCE [Banco Central Europeu]. A direção do dólar é importante, então se você acha que o dólar se fortalecer­á, deveria se preocupar com emergentes”, afirmou.

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