Investidor pode perder paciência com o Brasil, diz analista da Fitch
O resultado das eleições de outubro pode fazer com que o mercado perca a paciência de vez com o Brasil e decida alocar seus recursos em outro lugar, diante de uma possibilidade mais remota de o governo eleito conseguir —ou querer— passar o ajuste fiscal no país.
A avaliação é de Todd Martinez, analista responsável pela América Latina da agência de classificação de risco Fitch.
Durante conferência sobre ratings em Nova York, realizada na manhã desta quinta-feira (6), ele afirmou que a falta de definição sobre o cenário eleitoral impede um diagnóstico mais preciso sobre as perspectivas para o Brasil.
“Não fingimos ter bola de cristal. Há muita incerteza no primeiro turno, e não conseguimos muito menos saber quem ganhará o segundo”, disse Martinez.
Atualmente, o governo tem bons níveis de financiamento no exterior e com investidores locais.
“Mas, se o mercado perder a paciência com o ritmo do ajuste fiscal e se o governo tiver de se financiar no curto prazo, isso pode adicionar pressão no rating”, afirmou.
O Brasil tem nota de crédito BB na agência, com perspectiva estável. Isso coloca o país entre as economias consideradas especulativas —ou seja, com nível maior de dar calote na dívida.
A estabilidade do rating, porém, indica que um rebaixamento não é estimado nos próximos seis a 12 meses.
“Se o mercado local perder a paciência, pode começar a prever dominância fiscal [tese em que a política fiscal, e não a monetária, influencia a inflação] e tirar o dinheiro do Brasil, o que poderia piorar a situação do país”, afirma.
Para Martinez, há riscos políticos que podem eventualmente afetar a nota do Brasil.
“Alguns candidatos são mais ortodoxos sobre o teto de gastos e mais vagos em relação a outros temas, mas há outros que falam em se livrar do teto e não apresentam alternativas críveis”, disse.
Existe também um questionamento sobre a governabilidade dos candidatos com a orientação que agrada ao mercado: “Eles podem obter apoio político ou são tão controversos que as pessoas [no Congresso] não vão querer jogar com eles?”
O analista também tratou do panorama para a Argentina, onde a Fitch prevê contração de 2% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano.
O país tem nota de crédito B, com perspectiva estável.
“Temos preocupações com o financiamento, mas o fato de [o governo] ter ido proativamente ao FMI [Fundo Monetário Internacional] é bom. Aumenta a credibilidade sobre um ajuste fiscal agressivo e mitiga riscos ao financiamento.”
O lado negativo, disse, é que a medida não teve o efeito esperado no mercado.
Os investidores a encararam como um atestado de que o governo tinha dificuldade de se financiar, leitura agravada depois que, na semana passada, o governo veio a público pedir adiantamento de uma parte dos US$ 50 bilhões (R$ 208 bilhões) acertados com o FMI.
Para Martinez, o mercado tirou uma mensagem diferente do anúncio e encarou como se fosse um ato de um “governo que está desesperado”.
“Não ficou claro se o FMI concordaria com isso e em que condições. O que deveria ser boa notícia foi visto como um sinal de desespero”, afirmou.
A dúvida que fica, depois da forte volatilidade das últimas semanas por temor com a solvência do país, é se os mercados vão se abrir para a Argentina. “Se o FMI estender o programa [de financiamento], não se sabe se o mercado vai ver isso positivamente ou como uma estratégia de saída.”
As eleições no país vizinho também são fator de risco, na opinião do analista. “Não está claro se a oposição articula uma alternativa que o público esteja comprando”, afirmou.
Além dos problemas domésticos, os latino-americanos ainda precisarão enfrentar as turbulências provocadas pelo fortalecimento do dólar provocado pelo aumento de juros nos Estados Unidos.
Para a Fitch, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) elevará a taxa duas outras vezes neste ano, três vezes em 2019 e uma em 2020.
O aumento tende a atrair dinheiro de volta para os ativos americanos, contribuindo para a volatilidade experimentada pelos emergentes nos últimos meses. Além disso, há o impacto negativo no endividamento.
Não é, porém, o único fator, disse James McCormack, diretor e responsável global por ratings soberanos da Fitch.
“Tem o BCE [Banco Central Europeu]. A direção do dólar é importante, então se você acha que o dólar se fortalecerá, deveria se preocupar com emergentes”, afirmou.