Moreira Franco anuncia leilão de térmica a gás no NE sem fazer estudo
Técnicos afirmam que projeto desestrutura planejamento do sistema elétrico e tende a elevar custos
Sem apresentar estudos técnicos, o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco (MDB-RJ), anunciou, nesta quinta-feira (6), a realização de leilões regionais para contratar térmicas a gás natural que poderão elevar a conta de luz em R$ 2 bilhões, segundo estimativas do setor. O primeiro leilão seria realizado no Nordeste.
Segundo o ministério, porém, esse tipo de leilão vai reduzir os preços de energia e ajudar a fomentar o setor de gás natural, “especialmente na região do pré-sal e no Nordeste”.
O projeto é controverso, conforme antecipou a Folha, no fim de julho. Políticos do Nordeste e empresas do setor vinham pressionando por um edital, no máximo até setembro, que garantisse a construção das térmicas no Nordeste.
A discussão chegou a gerar um racha entre diretorias do ONS (Operadora Nacional do Sistema, responsável pela gestão da energia do país). O ministério declarou à época que havia solicitado mais estudos para tomar uma decisão.
Especialistas do setor alegam que leilões regionais representam uma alteração profunda na política pública do setor, porque vão desestruturar todo o planejamento do sistema, equeu ma mudança dessa dimensão não pode ocorrer de uma hora para outra, no fim de um governo.
“Esse tipo de leilão muda completamente adinâmica do sistema. Teriam de se estruturar estudos que justifiquem isso”, diz José Rosenblat, diretor da consultoria PSR.
Ao longo das últimas semanas, a Folha tem solicitado ao Ministério de Minas e Energia eàEPE(ór gã o responsável por estruturar os estudos para os leilões) o embasamento técnico para a proposta, mas até agora nada foi enviado.
Especialistas do setor também dizem que não viram, até agora, nenhuma justificativa técnica para o leilão regional.
“A ideia de autossuficiência energética vira de cabeça para baixo o sistema, que sempre foi planeja dopara ser interligado[ por linhas de transmissão]. Estamos retroagindo. Pa- ra ser assim, teria deter uma discussão mais ampla”, afirma Edvaldo Santana, presidente da Abrace (associação de grandes consumidores) e ex-diretor da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Para Santana, o modelo de sistema interligado por linhas de transmissão —em que a energia não precisa necessariamente ser gerada na região de consumo— traz mais segurança energética, pois permite balancear crises locais de desabastecimento trazendo energia de outras regiões.
A ideia de autossuficiência energética —que cada região garanta sua própria geração— tem sido defendida pelo atual presidente da EPE (empresa pública responsável pelo planeamento do setor de energia), Reive Barros, que assumiu em abril.
Uma das principais justificativas do leilão é baratear o preço da energia, já que seriam substituídas usinas a óleo que são poluentes e mais caras que as usinas a gás que atualmente estão em operação.
No entanto, Rosenblat, da PSR, afirma que não há nem mesmo garantias de que as térmicas propostas sejam de fato mais econômicas que as usinas hoje em operação.
“A ideia é buscar a combinação geração-transmissão mais eficiente para o país. No momento que se diz que o leilão tem de ser nessa região, e de uma fonte específica, sem um estudo que justifique isso, es- tá se arriscando aumentar o custo global para os consumidores”, diz ele.
A confirmação do leilão foi dada após uma reunião entre Ministério de Minas e Energia, EPE, Aneel e ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis).
Ainda não está claro como será a contratação e qual será o impacto ao consumidor.
O ministro de Minas e Energia tem dito que descartou o plano inicial de fazer um leilão de reserva: em que o governo compra a energia que será gerada para viabilizar o empreendimento e repassa os custos (estimados em R$ 2 bilhões) para a conta de luz.
No entanto, especialistas do setor afirmam que não haveria outro modelo possível.
A segunda opção, fora o leilão de reserva, seria um leilão de energia nova. Nele, não há repasses diretos à tarifa, pois quem contrata os projetos são as distribuidoras de energia.
Mas analistas argumentam que, por causa da lenta retomada da economia e o fato de novas usinas estarem entrando em operação, as distribuidoras já estão sobrecontrata-das —com excesso de energia.