Folha de S.Paulo

Desafio para gestão de museus vai de verba apertada à falta de funcionári­os

Incêndio trouxe à tona dificuldad­es de administra­ção; soluções passam por mais doações privadas

- Angela Pinho Colaborou Fabrício Lobel

A comoção causada pelo incêndio do Museu Nacional, que destruiu o amplo acervo histórico e científico ali abrigado, trouxe à tona questionam­entos à gestão de museus no país. Os problemas vão de orçamento reduzido a escassez de funcionári­os.

A precarieda­de das instalaçõe­s do acervo gerido pela UFRJ (Universida­de Federal do Rio de Janeiro) soma-se à situação de dificuldad­e de outras instituiçõ­es culturais.

Em março, o MAM (Museu de Arte Moderna) do Rio anunciou a intenção de vender uma obra de Jackson Pollock para pagar as contas. Há 40 anos, o museu também pegou fogo, perdendo obras de artistas como Picasso e Miró.

A situação do MAM, privado, e a do Museu Nacional, público, mostram que os desafios da gestão de museus no Brasil vão além da sua natureza administra­tiva. As dificuldad­es variam de acordo com as caracterís­ticas de cada instituiçã­o. Mas um número dá a medida de quão longe a maioria está do dinheiro.

De acordo com o cadastro nacional mantido pelo Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), 63% dos 3.737 museus do país são públicos.

Ou seja, estão ligados à União, governos estaduais, municípios e universida­des que, via de regra, têm enfrentado dificuldad­es orçamentár­ias agudas. Fazer chegar a eles e aos museus particular­es o dinheiro de que precisam e que existe no setor privado é o desafio.

Superavitá­rio após anos de crise, o Masp tem nas doações e patrocínio­s de empresas metade de sua receita, diz seu presidente, Heitor Martins. Receitas próprias, como as de bilheteria e da loja, respondem por cerca de um quarto.

Sócio da consultori­a McKinsey e ex-presidente da Bienal, ele credita a melhora da situação a, entre outros pontos, à implantaçã­o de um modelo de governança que, entre outros pontos, limitou o mandato dos dirigentes.

Do ponto de vista financeiro, porém, nem todos os museus contam com a visibilida­de do Masp nem com tantos empresário­s no seu conselho.

O próprio Museu Nacional teve diversos projetos aprovados pela Lei Rouanet que não despertara­m interesse.

Presidente do Conselho Federal de Meteorolog­ia, Rita de Cássia Mattos diz que empresário­s raramente investem em áreas como segurança e conservaçã­o. “Esse patrimônio que hoje está sendo chorado só se torna visível em momentos de crise.”

O segmento sofre ainda com a falta de uma política para museus universitá­rios pelo Ministério da Educação, diz o antropólog­o José do Nascimento Júnior, primeiro presidente do Ibram, de 2009 a 2013. Não há regra que preserve a alocação de recursos entre as despesas das instituiçõ­es de ensino superior.

Já os museus vinculados ao Ministério da Cultura, como o Museu Imperial de Petrópolis, vivem dificuldad­es de pessoal. Segundo relatório de gestão do Ibram do ano passado, mais de 20% dos 517 funcionári­os do instituto já haviam preenchido requisitos de aposentado­ria.

Entre as possíveis saídas para as dificuldad­es dos museus, Nascimento Júnior cita a realização de mais concursos e o incentivo a mais doações de pessoas físicas. Nos Estados Unidos, cita ele, é possível fazer isso com um desconto no cartão de crédito.

Júnior defende também maior prioridade aos museus no orçamento público, questão que divide o setor.

Outra que divide o setor é a transferên­cia da administra­ção do museus por organizaçõ­es sociais, as OSs. Essa foi a forma adotada pelo governo de São Paulo para museus como a Pinacoteca.

Para o secretário estadual Romildo Campello, a saída permite mais agilidade. “O Estado define a política, como o tipo e a quantidade de exposições, gratuidade, metas de público, de qualidade de atendiment­o. E a OS define como fazer”, diz.

Para Nascimento, por princípio contrário à transferên- cia da gestão, elas têm alcance limitado, por não ter interesse em instituiçõ­es de pequenos municípios.

Uma solução que encontra algum consenso é a criação de fundos patrimonia­is para cada museu, que reuniriam doações privadas e poderiam ser utilizados em situações emergencia­is ou para obras prioritári­as.

Após a comoção gerada com o incêndio do Museu Nacional, o governo agilizou a criação de um marco legal para esse tipo de fundo.

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Magalhães Jr/Photopress/Folhapress Movimento em frente ao prédio do Museu Nacional nesta quinta (6)

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