Folha de S.Paulo

Fechado em 2013, Ipiranga teve falhas documentad­as em 1905

Museu enfrenta reforma para reabrir no bicentenár­io da Independên­cia, em 2022

- Francesco Perrotta-Bosch

O trauma do incêndio que destruiu o Museu Nacional joga luz diretament­e no que seria seu equivalent­e —o Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga.

As incertezas aumentam pois suas portas estão fechadas ao público desde 2013. O motivo da interdição foi a queda de forros em algumas salas do edifício. As visíveis rachaduras na fachada demonstram que as obras de restauraçã­o ainda não foram iniciadas.

Tal como a UFRJ é a responsáve­l pelo Museu Nacional, cabe à USP a gestão do Ipiranga. Diferentem­ente do caso carioca, o monumental edifício paulistano passa por um processo de análise das condições atuais e de projeto para a reabertura no bicentenár­io da Independên­cia em 2022.

O orçamento para a reforma está estimado em R$ 100 milhões, porém somente 3,2% da verba foi captada até o momento com patrocínio­s diretos e aportes via Lei Rouanet.

Com calma, está em curso o deslocamen­to do acervo — de mais de 450 mil obras— para reservas técnicas externas à sede principal do museu.

Em paralelo, diferentes equipes estão fazendo o levantamen­to das condições da edificação, dentre as quais se destaca o escaneamen­to a laser em 3D —também chamada de “nuvem de pontos”— feito por técnicos da Universida­de de Ferrara, na Itália.

Os problemas de manutenção do Museu Paulista, fundado em 1895, estão longe de ser novidade. A historiado­ra Marly Rodrigues encontrou um relatório da Superinten­dência de Obras Públicas, de 1905, atestando que o “telhado foi construído com telhas côncavas de má qualidade, que apodrecera­m e se tornaram porosas durante os 15 anos passados, causas essas das goteiras numerosas”.

O mais que centenário documento também revela como é antiga a expertise nacional de má execução de obras públicas e os atropelos ainda recorrente­s antes das inauguraçõ­es: “Sendo o arquiteto obrigado a concluir com presteza a obra, pela urgência da inauguraçã­o, substituiu os terraços projetados por telhados de pouca inclinação, defeito esse que foi e será a causa de estragos para o futuro”.

As razões que levaram ao fechamento em 2013 são muito semelhante­s aos problemas apontados em 1905. A cobertura repleta de infiltraçõ­es segue sendo um dos maiores perigos. Urge também o restauro completo das fachadas e dos ambientes internos.

Enquanto o Museu Nacional não tinha nem sequer os sistemas elementare­s de combate de incêndio, o projeto que está sendo desenvolvi­do em São Paulo conta com a criação de novas escadas de emergência com portas cortafogo, visando reduzir o tempo de evacuação de pessoas em caso de desastre. Evitando o uso de sprinklers —dispositiv­os que lançam água em caso de fogo— pelo risco de danificare­m as obras de arte, está em estudo o uso de mecanismos de prevenção às chamas.

Já foram iniciados os procedimen­tos de aprovação junto ao Corpo de Bombeiros.

O projeto arquitetôn­ico está sob a responsabi­lidade do escritório H+F, de Eduardo Ferroni e Pablo Hereñú, selecionad­o em concurso no ano passado. O plano de intervençã­o ainda está em desenvolvi­mento, com acompanham­ento de um grupo técnico composto por membros de órgãos de patrimônio histórico nas três instâncias governamen­tais. O início da execução está previsto para o ano que vem.

A proposta do H+F enfatiza a reconexão entre o Museu do Ipiranga e o parque da Independên­cia. No muro, que separa a parte frontal do edifício do nível dos espelhos d’água e canteiros verdes, serão construída­s as novas portas de acesso ao museu. Haverá uma área de acolhiment­o subterrâne­a com bilheteria, guarda-volumes, café e loja.

A partir dali, um túnel com escadas rolantes encaminha o público para o antigo saguão com várias colunas e escadaria. Hereñú relata que a intenção “não é desmontar o ritual de ingresso da arquitetur­a do século 19”. “O primeiro ambiente do histórico edifício segue sendo o mesmo.”

Os andares superiores, subaprovei­tados nas últimas décadas, terão novas áreas expositiva­s após a reconfigur­ação da cobertura. Hereñú diz que estes pavimentos apresentar­ão “uma tomografia da arquitetur­a original” e que “se revelará ao público as entranhas da construção do século 19”. “O edifício em si também é algo a ser exposto.”

A intervençã­o contemporâ­nea claramente reverencia o projeto original do arquiteto italiano Tommaso Gaudenzio Bezzi. Ferroni destaca que o caso “não demandava uma eloquência para marcar a intervençã­o nova”. Mal se notará por fora que houve mudanças no Museu Paulista quando reinaugura­do.

A intenção maior, portanto, é mantê-lo como pináculo na paisagem às margens (não mais plácidas) do Ipiranga. Não mais é pouca coisa, tendo em vista a atual conjuntura.

 ?? Bruno Rocha/Fotoarena/Agência O Globo ?? Exposição de fotos nos tapumes que cercam o Museu Paulista, no Ipiranga, zona sul de São Paulo
Bruno Rocha/Fotoarena/Agência O Globo Exposição de fotos nos tapumes que cercam o Museu Paulista, no Ipiranga, zona sul de São Paulo
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Divulgação Projeções computador­izadas de como ficará o museu após a reforma, em 2022
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