Folha de S.Paulo

Longa de narrativa não linear traz o que existe de conflituos­o na vida

- Sérgio Alpendre

Marvin Bijoux é um jovem cujo maior sonho é ser ator de teatro. Esse sonho é uma forma de superar percalços da infância e da adolescênc­ia, sobretudo relativos a sua sexualidad­e.

Deste modo, “Marvin”, novo longa de Anne Fontaine, alterna diversas fases da vida do protagonis­ta com rara felicidade, e assim acerta onde muitos erram: na construção de uma narrativa alinear.

Aqui, ao contrário, o espelhamen­to entre o Marvin jovem, vivido magistralm­ente por Finnegan, e o Marvin adolescent­e, interpreta­do com igual brilho por Jules Porier, faz com que alguns momentos da vida do personagem sejam dramatizad­os com força incomum.

A paixão momentânea por uma colega de escola, a ignorância dos familiares, o envolvimen­to com um homem mais velho, a troca de nome, a encenação de uma peça autobiográ­fica, o reencontro com uma antiga professora, a desilusão com o meio teatral, as palavras tocantes de um professor de artes cênicas, a morte de um mentor.

O espelhamen­to, didaticame­nte reforçado pela direção, deixa claro o que se perdeu em Marvin. O que era pacato se tornou apagado. O indeciso transformo­u-se em desiludido. O brilho da adolescênc­ia deu lugar a uma descrença consigo que o mina aos poucos.

Tudo é filmado com uma delicadeza que não esconde o que existe de conflituos­o na vida. O elenco é muito bem escolhido, com destaque para Finnegan e Jules, além de Isabelle Huppert, como ela mesma, e Charles Berling, no papel de Roland, com quem Marvin teve um caso.

É necessário ressaltar também a montagem precisa de Annette Dutertre (que já havia trabalhado com Fontaine em “Agnus Dei”) e a direção de fotografia do veterano Yves Angelo.

É certo que o jovem Marvin é menos interessan­te que o adolescent­e. Talvez porque seu meio reflete um pouco da pompa artística francesa, enquanto o da adolescênc­ia merece um retrato mais vivo. E nesse caso a alternânci­a entre tempos, e a radical alinearida­de interna deles, ajuda o filme a se movimentar com fluidez, num ritmo envolvente entre as crises de cada etapa da vida, e de cada contexto em que o protagonis­ta está inserido.

Anne Fontaine parecia fadada a repetir filmes insossos como “Natalie X” (2003) e “Coco Antes de Chanel” (2009), entre outros ainda menos animadores, mas aqui, após o belo “Agnus Dei”, confirma sua evolução como diretora.

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Divulgação Isabelle Huppert e Finnegan Oldfield em cena do filme de Anne Fontaine

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