Longa de narrativa não linear traz o que existe de conflituoso na vida
Marvin Bijoux é um jovem cujo maior sonho é ser ator de teatro. Esse sonho é uma forma de superar percalços da infância e da adolescência, sobretudo relativos a sua sexualidade.
Deste modo, “Marvin”, novo longa de Anne Fontaine, alterna diversas fases da vida do protagonista com rara felicidade, e assim acerta onde muitos erram: na construção de uma narrativa alinear.
Aqui, ao contrário, o espelhamento entre o Marvin jovem, vivido magistralmente por Finnegan, e o Marvin adolescente, interpretado com igual brilho por Jules Porier, faz com que alguns momentos da vida do personagem sejam dramatizados com força incomum.
A paixão momentânea por uma colega de escola, a ignorância dos familiares, o envolvimento com um homem mais velho, a troca de nome, a encenação de uma peça autobiográfica, o reencontro com uma antiga professora, a desilusão com o meio teatral, as palavras tocantes de um professor de artes cênicas, a morte de um mentor.
O espelhamento, didaticamente reforçado pela direção, deixa claro o que se perdeu em Marvin. O que era pacato se tornou apagado. O indeciso transformou-se em desiludido. O brilho da adolescência deu lugar a uma descrença consigo que o mina aos poucos.
Tudo é filmado com uma delicadeza que não esconde o que existe de conflituoso na vida. O elenco é muito bem escolhido, com destaque para Finnegan e Jules, além de Isabelle Huppert, como ela mesma, e Charles Berling, no papel de Roland, com quem Marvin teve um caso.
É necessário ressaltar também a montagem precisa de Annette Dutertre (que já havia trabalhado com Fontaine em “Agnus Dei”) e a direção de fotografia do veterano Yves Angelo.
É certo que o jovem Marvin é menos interessante que o adolescente. Talvez porque seu meio reflete um pouco da pompa artística francesa, enquanto o da adolescência merece um retrato mais vivo. E nesse caso a alternância entre tempos, e a radical alinearidade interna deles, ajuda o filme a se movimentar com fluidez, num ritmo envolvente entre as crises de cada etapa da vida, e de cada contexto em que o protagonista está inserido.
Anne Fontaine parecia fadada a repetir filmes insossos como “Natalie X” (2003) e “Coco Antes de Chanel” (2009), entre outros ainda menos animadores, mas aqui, após o belo “Agnus Dei”, confirma sua evolução como diretora.