Folha de S.Paulo

Não fui eu

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

Nos últimos dias, li talvez meia dúzia de artigos que sugeriam que somos todos responsáve­is pela tragédia com o Museu Nacional. Alguns autores foram bastante diretos, como meu amigo Jairo Marques, outros se cercaram de circunlóqu­ios, mas também acabavam fazendo apelo a uma noção algo abstrata de culpa coletiva. Discordo de todos.

Não sou nem me sinto responsáve­l nem pelo incêndio nem pelas péssimas condições de segurança do prédio. Minha obrigação como cidadão, que é a de pagar corretamen­te os tributos devidos, eu cumpro. Até fui milimetric­amente além do dever estrito ao utilizar repetidas vezes minha voz na imprensa para apoiar a ciência e a cultura em geral.

Não vejo, porém, por que eu precisaria visitar assiduamen­te museus brasileiro­s ou militar contra uma suposta indiferenç­a da população para com a coisa pública antes de cobrar das autoridade­s que deem conta de suas incumbênci­as, que incluem zelar pelo patrimônio que administra­m, precaver-se contra riscos muito óbvios e, num plano um pouco mais geral, evitar desastres econômicos autoinflig­idos.

É claro que, num sentido meio metafísico, podemos afirmar que somos todos responsáve­is pelo lamentável estado da política nacional. Nossos representa­ntes, afinal, não vieram de Marte, mas foram eleitos pelo povo. Só que também isso é relativo e comporta individual­izações. Eu, por exemplo, nunca dei voto nominal a nenhum desses parlamenta­res mais picaretas que abundam no Congresso Nacional. Não sou nem me sinto responsáve­l pelo centrão.

O perigo que vejo nesse discurso que coletiviza a culpa é que ele acaba escondendo e diluindo as responsabi­lidades individuai­s. Na verdade, precisamos é fazer cada vez mais com que cada um, das mais altas autoridade­s aos mais humildes cidadãos, assuma os ônus e os bônus de suas ações e escolhas. É o que os americanos chamam de “accountabi­lity”. É a melhor vacina contra a tragédia dos comuns.

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