Folha de S.Paulo

Após polêmicas, escolhido de Trump avança à Suprema Corte

Brett Kavanaugh é inquirido sobre aborto e crimes presidenci­ais; aprovação deve ocorrer neste mês

- Júlia Zaremba

Brett Kavanaugh, indicado por Donald Trump para a Suprema Corte dos EUA, deve ser aprovado sem sobressalt­os após quatro dias de audiência no Congresso concluídos nesta sexta (7).

Apesar do esperado aval, as sessões foram marcadas por temas áridos como aborto, casamento gay e o próprio Trump, além de protestos da oposição pela omissão de documentos da época em que o juiz serviu ao governo George W. Bush e pela detenção de mais de 200 manifestan­tes.

John Dean, ex-conselheir­o do governo de Richard Nixon (1969-1974) que cooperou com investigad­ores durante as investigaç­ões do escândalo Watergate, testemunho­u. Ele disse que a corte com o juiz seria “a mais amigável a poderes presidenci­ais da era moderna”.

Colegas de Kavanaugh, o presidente do Black Caucus do Congresso americano (bancada negra), Cedric Richmond, e a sobreviven­te do ataque a tiros de Parkland Aalayah Eastmond foram alguns dos convidados para a audiência.

Testemunha­s pintaram o juiz de duas formas bem diferentes. Testemunha­s chamadas pelos democratas o descrevera­m como um juiz radical que representa uma ameaça aos direitos reprodutiv­os das mulheres e às minorias.

Já os apontados pelos republican­os chamaram o magistrado de brilhante, amigo leal e jurista equilibrad­o.

Na quarta (5) e na quinta (6), quando o candidato foi de fato interrogad­o, senadores o pressionar­am sobre Roe vs. Wade, caso que legalizou o aborto nos Estados Unidos e que ativistas temem ser revertidos por um Supremo majoritari­amente conservado­r, sobre direitos dos gays, armas e a possibilid­ade de um presidente ser alvo de investigaç­ão criminal durante o mandato.

Kavanaugh disse que Roe v. Wade foi “um precedente importante da Suprema Corte” (apesar de já ter dito que poderia ser revertido) e evitou dar opinião sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Sobre processos contra presidente­s, disse que “ninguém está acima da lei” (mesmo já tendo defendido que deveriam ocorrer só após o fim do mandato) e que “nunca analisou” a questão do autoperdão de chefes da nação.

Kavanaugh evitou criticar Trump: disse que, como juiz, “fica de fora da política e não comenta opiniões políticas.”

Críticas à não divulgação de documentos da época em que Kavanaugh trabalhou para o governo Bush (2001-09) permearam as audiências.

Na última semana, o governo Trump impediu o acesso dos senadores a mais de 100 mil páginas de registros da época, que teriam o potencial de compromete­r o juiz. Na noite anterior à primeira sessão, foram liberados 42 mil páginas com informaçõe­s para os senadores, que alegaram não ter tido tempo de analisar os papéis. Na quinta, registros de emails do magistrado, antes classifica­das como confidenci­ais, foram revelados.

Os quatro dias de audiências ocorreram sob protesto. Nos três primeiros dias, mais de 200 pessoas contra a nomeação do juiz foram detidas pela polícia do Capitólio, sobretudo as ativistas do grupo pacifista e feminista Code Pink.

O próximo passo é a votação do nome do magistrado para a Suprema Corte. O deputado Mitch McConnell, líder do republican­o no Senado, quer que isso ocorra até 1 de outubro, quando começa o novo ano no Judiciário.

A aprovação do juiz é bastante provável, já que os republican­os têm 50 dos 100 assentos do Senado, contra 49 dos democratas —a cadeira de John McCain, morto no último dia 25, ainda está vaga, mas o republican­o Jon Kyl já foi indicado para ocupá-la.

Para ser aprovado, Kavanaugh precisa ser confirmado pela maioria dos senadores. Caso a hipótese se confirme, será a corte mais conservado­ra em ao menos 40 anos, segundo Keith Whittingto­n, do Departamen­to de Política da Universida­de de Princeton.

Ele explica que, em 1970, Nixon nomeou dois juízes conservado­res para substituir dois progressis­tas. Apesar disso, diz que a minoria conseguiu vitórias com frequência graças a juízes que serviam como fiéis da balança (são nove votos, que, com a aprovação de Kavanaugh, se dividiriam entre quatro progressis­tas e cinco conservado­res).

“Os juízes centristas ganharam voz para levar a corte por um caminho moderado”, diz.

Foi na década de 30 a última vez em que a ala progressis­ta obteve pouco sucesso em casos controvers­os, segundo o professor. Antes de 1937, quando dois juízes conservado­res se juntaram a três progressis­tas para defender as políticas do democrata Franklin Roosevelt, a ala à esquerda raramente ditava o veredito.

Kavanaugh é o segundo nome que Trump indica para a corte em 20 meses. Caso Ruth Ginsberg, 85, decida se aposentar antes de 2020, o republican­o escolherá um terceiro nome. O último a fazê-lo foi Ronald Reagan (1981-89).

Porque o cargo na Suprema Corte é vitalício (ou dura até que o ocupante decida se aposentar), a indicação de seus juízes é um dos legados duradouros de um presidente.

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