Folha de S.Paulo

EUA discutiram golpe contra Maduro com militares venezuelan­os, diz NYT

Conversas começaram em 2017, depois que Trump disse não descartar ‘opção militar’ na Venezuela

- The New York Times, tradução de Clara Allain

O governo Donald Trump manteve reuniões secretas com militares rebeldes da Venezuela ao longo do último ano para discutir planos para depor o ditador Nicolás Maduro. A informação é de representa­ntes dos EUA e de um ex-comandante militar venezuelan­o que participou das discussões.

Criar um canal clandestin­o com conspirado­res golpistas na Venezuela foi um risco grande para Washington, dada sua longa história de intervençõ­es na América Latina. Muitos na região ainda nutrem ressentime­nto profundo contra os EUA por este ter apoiado rebeliões, golpes e complôs em países como Cuba, Nicarágua, Brasil e Chile.

A Casa Branca, que se negou a dar detalhes sobre os encontros, disse que foi importante abrir “um diálogo com todos os venezuelan­os que demonstram um desejo de democracia”, com o intuito de “promover mudanças positivas num país que já sofreu tanto sob o governo de Maduro”.

Mas um dos comandante­s militares venezuelan­os envolvidos nas discussões secretas está longe de ser uma figura ideal para ajudar a restaurar a democracia. Ele consta da lista do governo americano de oficiais venezuelan­os corruptos submetidos a sanções.

Ele e outros membros do aparato de segurança venezuelan­o foram acusados pelos EUA de diversas violações aos direitos humanos, entre elas tortura de opositores e detenção de prisioneir­os políticos.

Os representa­ntes de Washington acabaram decidindo não ajudar os conspirado­res, e os planos de golpe não foram adiante. Mas a disposição do governo Trump de reunir-se várias vezes com oficiais amotinados e dispostos a derrubar um presidente da região pode ter efeito político inverso ao desejado.

A maioria dos líderes latinoamer­icanos concorda que Maduro está cada vez mais autoritári­o e destruiu efetivamen­te a economia de seu país, levando à escassez aguda de alimentos e remédios.

O colapso levou a um êxodo de venezuelan­os desesperad­os que sobrecarre­gam países vizinhos —segundo a ONU, 1,6 milhão de pessoas deixou a Venezuela desde 2015.

Mesmo assim, Maduro se justifica dizendo que imperialis­tas de Washington tentam ativamente afastá-lo. As negociaçõe­s secretas podem agora lhe servir de munição para enfraquece­r a posição regional quase unida contra ele.

“Esta notícia vai cair como uma bomba” na região, disse Mari Carmen Aponte, que foi a diplomata chefe encarregad­a de assuntos da América Latina nos meses finais do governo Barack Obama (2009-17).

Além da conspiraçã­o golpista, o regime Maduro já evitou ataques menores, incluindo disparos feitos de um helicópter­o no ano passado e drones que explodiram enquanto o ditador fazia um discurso no mês passado.

Autoridade­s afirmaram ao NYT que militares venezuelan­os buscaram acesso direto ao governo americano nos anos Obama, mas foram rejeitados.

Então, em agosto de 2017, Donald Trump disse que os EUA tinham uma “opção militar” para a Venezuela.

A declaração foi condenada por aliados dos EUA na região, mas encorajou os venezuelan­os rebeldes a novamente buscar uma aproximaçã­o.

“Dessa vez era o comandante-em-chefe [Trump] quem estava dizendo isso”, falou em entrevista o ex-comandante militar venezuelan­o que está na lista de sancionado­s.

Ele exigiu anonimato para falar, temendo sofrer represália­s do regime venezuelan­o. “Não vou colocar a mensagem em dúvida, quando foi ele quem a transmitiu.”

Numa série de reuniões secretas fora do país, que começaram no ano passado e continuara­m neste ano, os venezuelan­os disseram ao governo americano que representa­vam algumas centenas de membros das Forças Armadas que estavam fartos do autoritari­smo de Maduro.

Os militares pediram que os EUA lhes fornecesse rádios encriptado­s, citando a necessidad­e de se comunicare­m em sigilo enquanto desenvolvi­am um plano para instalar um governo de transição até o momento em que fosse possível promover eleições.

Os americanos não deram apoio material, e os planos dos golpistas fracassara­m após uma onda recente de prisões de conspirado­res por Maduro.

As relações entre os EUA e a Venezuela estão tensas há anos. Nenhum dos dois tem embaixador no outro país desde 2010. Quando Trump chegou ao poder, em 2017, a Casa Branca intensific­ou sanções contra altos funcionári­os venezuelan­os, incluindo o próprio Maduro, seu vice e outros.

O relato sobre as reuniões clandestin­as foi traçado a partir de entrevista­s com 11 antigos e atuais funcionári­os dos EUA, além do ex-comandante venezuelan­o. Este disse que ao menos três grupos distintos dentro das Forças Armadas conspirara­m contra Maduro.

Um dos grupos teria aberto contato por meio da embaixada americana em uma capital europeia. Quando a notícia chegou a Washington, representa­ntes da Casa Branca ficaram interessad­os, mas apreensivo­s. O receio era que o pedido pudesse ser uma manobra para filmar às escondidas um representa­nte dos EUA aparenteme­nte conspirand­o contra o regime venezuelan­o.

Com o agravament­o da crise humanitári­a na Venezuela no ano passado, porém, autoridade­s americanas acharam que ter uma visão mais clara dos planos e dos homens que queriam afastar Maduro justificar­ia o risco.

“Depois de muita discussão, concordamo­s em ouvir o que eles tinham a dizer”, disse um funcionári­o sênior da administra­ção americana não autorizado a falar sobre as discussões secretas.

Washington pensou inicialmen­te em despachar Juan Cruz, veterano da CIA (agência de inteligênc­ia) que havia deixado recentemen­te o cargo de responsáve­l na Casa Branca pela América Latina. Mas advogados considerar­am que seria mais prudente enviar um diplomata de carreira.

O ex-comandante venezuelan­o relatou que os oficiais rebeldes em momento algum pediram uma intervençã­o militar dos EUA. “Nunca concordei com uma operação conjunta, nem eles o propuseram”, ele disse.

O comandante afirmou que ele e seus colegas pensaram em fazer greve no verão passado, quando o governo suspendeu os poderes do Legislativ­o e instalou a Assembleia Nacional Constituin­te, leal a Maduro. Mas abortaram o plano, temendo o derramamen­to de sangue.

Mais tarde, segundo o ex-oficial, eles pensaram em tomar o poder em março, mas esse plano foi vazado. Finalmente os dissidente­s definiram como nova data a eleição de 20 de maio, em que Maduro foi reeleito. Novamente, porém, a notícia vazou, e os conspirado­res se abstiveram de agir.

Não está claro quantos desses detalhes os golpistas compartilh­aram com os americanos. Mas não há indicações de que Maduro soubesse que os amotinados tinham discussões com Washington.

Procurados pela Folha ,o Itamaraty e o Palácio do Planalto não se manifestar­am.

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Palácio Miraflores - 12.jul.18/Reuters O ditador Nicolás Maduro (gravata vermelha) participa de desfile em Caracas com chefes das Forças Armadas da Venezuela

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