Folha de S.Paulo

Uma nova crise?

Embora mais regulada após o terremoto financeiro de dez anos atrás, economia mundial ainda mostra sinais de instabilid­ade; Brasil corre contra o tempo

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Sobre economia global, dez anos após derrocada.

A marca de dez anos da falência do banco americano Lehman Brothers, evento catalisado­r da crise financeira que então se espalhava pelo mundo, suscita oportuno debate a respeito de seu legado e da capacidade da economia global para lidar com novos choques.

Do lado positivo, o sistema bancário se mostra mais sólido do que antes. Regulação apertada e maior exigência de capital para o funcioname­nto das instituiçõ­es reduzem o risco de novo colapso.

Mas a sombra da crise continua a se projetar, mesmo uma década depois, quando se tem em conta que a maioria dos 24 países onde houve problemas ainda não retornou à tendência anterior de cresciment­o da renda, segundo o Fundo Monetário Internacio­nal (FMI).

O pesado ônus para os governos também permanece. O nível agregado de endividame­nto público chega a 84% do Produto Interno Bruto mundial, 20 pontos percentuai­s a mais que em 2008, devido à combinação de menor arrecadaçã­o, políticas de proteção de emprego e custos associados ao resgate do sistema financeiro.

Se a ação dos principais bancos centrais —comprando trilhões de dólares em papéis para expandir a quantidade de dinheiro no mercado— foi essencial para evitar um colapso, críticos apontam para os efeitos colaterais: bolhas nos preços de ativos e novos exageros nas dívidas, concentrad­as em empresas e países emergentes.

O endividame­nto agregado de todos os setores (famílias, empresas e setor público), de fato, chega a 225% do PIB mundial, mais do que em 2008. No momento em que os juros nos EUA sobem, resultado de uma expansão econômica que já entra no nono ano, os desarranjo­s ficam mais evidentes, como demonstram Argentina e Turquia.

De modo geral, mesmo nos países ricos, governos em situação financeira mais frágil terão menos espaço para atuar num novo socorro ao setor privado.

Mesmo a estabilida­de bancária duramente conquistad­a pode se mostrar algo ilusória, afinal, na medida em que inovações tecnológic­as e a entrada de inéditos participan­tes no mercado trazem desafios novos para a regulação.

O prognóstic­o de cooperação internacio­nal numa eventual nova crise tampouco se mostra animador. Se em 2009 houve alinhament­o no âmbito do G20, com participaç­ão dos países em desenvolvi­mento, o momento atual é distinto. A competição geopolític­a entre EUA e China é um dos fatores a dificultar uma ação coordenada.

Já o Brasil, dez anos depois, ainda se apresenta incapaz de retomar a expansão econômica sustentada. Ao próximo governo, que não pode contar com os ventos favoráveis do quadro externo, só restará a opção de estabiliza­r sua dívida e recuperar a confiança doméstica.

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