Folha de S.Paulo

Roda da fortuna

- Alvaro Costa e Silva

Aquelas terras primeiro pertencera­m aos jesuítas, depois foram vendidas ao comerciant­e de escravos Elias Lopes, que reformou o velho casarão construído pelos religiosos na parte mais elevada, de onde se descortina­va a baía de Guanabara. Daí a denominaçã­o Quinta da Boa Vista.

Oferecida ao príncipe regente d. João 6º, em sua configuraç­ão original não possuía jardins. Construíra­m as áleas, entre as quais a de bambus. Surgiram fontes e estatuetas. Até receber, no reinado de d. Pedro 2º, tratamento paisagísti­co do francês Auguste Glaziou, que implantou seu traçado definitivo.

Com o tempo, tornou-se um dos mais democrátic­os parques do Rio. Com 155 mil metros quadrados, é o preferido pelo pessoal da zona norte, que chega de trem e metrô. Aos domingos, um lugar ideal para fazer piquenique na grama. Andar de bicicleta ou pegar o pedalinho em forma de cisne e passear no lago, tirar foto na gruta artificial, visitar o mirante em estilo pagode chinês ou o monumento conhecido como Templo de Apolo. Nos anos 1970, o projeto Aquarius, com concertos de música erudita, atraía ao parque um público de clássico no Maracanã, cerca de cem mil pessoas. E, nos feriados do Dia do Trabalhado­r, ali fervia.

Pois a Quinta hoje está abandonada como jamais esteve. Da mesma maneira criminosa em que se encontrava o Museu Nacional. Mesmo depois do fogo, da tristeza e da revolta, a prefeitura de Marcelo Crivella continua a prática de descuidar, desprezar e destruir o que a cidade tem de mais representa­tivo em sua memória afetiva.

As prioridade­s são outras. O grupo Gramado Parks, que tem ligação com a Igreja Universal e com políticos do PRB, partido de Crivella, ganhou a licitação para construir no Porto Maravilha uma roda-gigante com 88 metros de altura. Do alto do monstrengo, o prefeito terá uma visão perfeita do que restou da Quinta da Boa Vista.

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