Folha de S.Paulo

Política fiscal parece campo minado para futuro governo

Pendências se avolumaram nos últimos meses

- Manoel Pires

Coordenado­r do Observatór­io de Política Fiscal da FGV/Ibre e pesquisado­r da Faculdade de Economia da UnB; ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda

Os últimos meses têm sido marcados por decisões que colocam o próximo governo, qualquer que seja a orientação, em uma encruzilha­da, tendo que construir uma série de acordos políticos para viabilizar uma trajetória de estabilida­de fiscal.

Os temas são conhecidos: Previdênci­a, funcionali­smo, salário mínimo, reforma tributária direta e indireta. Esses temas são recorrente­s em qualquer mandato, mas hoje há menos margem de manobra para negociar.

Os assuntos fiscais pendentes de solução se avolumaram nos últimos meses. A percepção de que a situação se deteriorou ficou evidente com a greve dos caminhonei­ros, que resultou na criação da subvenção para o diesel que custará R$ 9,5 bilhões e acaba no dia 31 de dezembro. No dia seguinte, o governo eleito vai ganhar esse presente.

Esse processo começou antes. No início do ano, o governo corretamen­te tentou rever a regra de ouro. Diante da repercussã­o negativa, empurrou para a frente e incluiu um dispositiv­o na Lei de Diretrizes Orçamentár­ias para enviar o orçamento descumprin­do a regra.

O próximo governo terá que aprovar um crédito extraordin­ário de R$ 258 bilhões sob pena de ser acusado de cometer um crime de responsabi­lidade. O governo encaminhou uma medida provisória para adiar o reajuste dos servidores para 2019, com impacto de R$ 6,9 bilhões.

Essa medida é importante, mas é difícil, no atual ambiente, argumentar a favor do adiamento desses reajustes, tendo negociado o aumento do Judiciário. Na sequência, o governo terá que encontrar ambiente político para fazer um debate racional para a política de valorizaçã­o do salário mínimo. Cada 1% de aumento custa R$ 3,9 bilhões.

Em seu primeiro ano como restrição efetiva, o teto de gastos poderá inviabiliz­ar o orçamento. Em vez de favorecer as reformas, os grupos de poder ocuparam os últimos espaços disponívei­s do orçamento.

As despesas discricion­árias estão orçadas em R$ 102 bilhões. As estimativa­s são de que o governo precise de R$ 120 bilhões para manter seu funcioname­nto mínimo. O investimen­to público está orçado em R$ 28 bilhões, apenas 66% do investido nos últimos três anos e que já não cobria a depreciaçã­o do capital.

Em tempos de limites para a despesa, a política pública é financiada pelo perdão das dívidas tributária­s. Os subsídios saíram de cena e abriram espaço para o Refis se proliferar.

De acordo com dados da Receita Federal, os últimos quatro Refis custaram R$ 75 bilhões, ou 42% do custo dos principais Refis editados nos últimos dez anos. A agenda de 2019 é pesada, mas era difícil prever que o governo deixaria um campo minado para o seu sucessor.

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