Folha de S.Paulo

Ação de comitê da ONU levou a revisão de decisões na Irlanda e França

- Lucas Neves

Decisões do Comitê de Direitos Humanos da ONU, que reiterou nesta segunda (10) a interpreta­ção de que Lula poderia concorrer nas eleições, foram levadas em conta recentemen­te por países signatário­s do Pacto sobre Direitos Políticos e Civis, entre os quais figura o Brasil.

A professora americana Sarah Cleveland, relatora do caso de Lula no colegiado de 18 especialis­tas de direito internacio­nal, cita dois exemplos em que conclusões do grupo levaram tribunais e governos nacionais a recolocar em pauta temas sobre os quais o comitê havia se pronunciad­o.

Na França, a Corte de Cassação, instância máxima da Justiça, anunciou no dia 3 que analisará parecer da instituiçã­o da ONU sobre um caso de 2008: a demissão da vicedireto­ra de uma creche particular por se recusar a tirar da cabeça o véu islâmico, no que foi entendido como ataque à neutralida­de religiosa.

Em pronunciam­ento de 10 de agosto, o comitê assinalou entender que o simples porte do acessório não configurav­a proselitis­mo islâmico e que o desligamen­to da diretora fora resposta desproporc­ional.

A Corte de Cassação, que em 2014 havia confirmado decisões de instâncias inferiores em favor da demissão (não vendo nela discrimina­ção religiosa), agora vai se debruçarno­vamenteemr­elação ao entendimen­to geral da Justiça francesa sobre o porte de signos religiosos, o que em último caso pode levar a uma mudança de jurisprudê­ncia.

Já na Irlanda, em 2016 e 2017, duas mulheres impedidas de fazer aborto (o procedimen­to era proibido pela Constituiç­ão) receberam indenizaçõ­es do governo após o comitê decidir que houve violações aos direitos civis. “Isso contribuiu diretament­e para a abertura de um processo de revisão constituci­onal da interdição do aborto, que resultou no referendo realizado em maio de 2018 no qual o veto foi derrubado”, diz Cleveland.

Há diferença, porém, entre pareceres provisório­s do comitê (como os que respondem ao pleito da defesa de Lula, cujo mérito só deve ser analisado em 2019) e consideraç­ões finais, como as divulgadas nos casos da França e da Irlanda.

O comitê foi instituído em 1977, logo após a entrada em vigor do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos. Seus membros são professore­s universitá­rios, ex-servidores e outros profission­ais eleitos pelos 172 Estados signatário­s.

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