Folha de S.Paulo

Com crise em RR, Brasil paga à Venezuela por energia

- Mariana Carneiro e Patrícia Campos Mello

O governo brasileiro decidiu pagar a Venezuela pela conta de luz de Roraima, desistindo de tentar a saída via “encontro de contas” entre os dois países.

O Ministério da Fazenda buscou avançar na alternativ­a, uma vez que a Venezuela deve ao Brasil US$ 275 milhões (R$ 1,127 bilhão).

Neste mês, o país vizinho deverá deixar de pagar mais US$ 41 milhões (R$ 168 milhões) ao Brasil.

A alternativ­a não deu certo. A Venezuela exige o pagamento em dólares e ameaça deixar Roraima sem energia, no momento em que o estado já enfrenta uma forte crise migratória.

O corte também seria politicame­nte danoso a aliados do presidente Michel Temer, como o senador Romero Jucá (MDB-RR), que busca a reeleição.

Diante da negativa, o Itamaraty foi acionado para consultar o governo dos Estados Unidos sobre como enviar dólares à Venezuela sem furar o embargo americano.

Técnicos do governo brasileiro dizem acreditar que não há empecilhos legais, mas pretendem obter dos EUA uma espécie de parecer, dando sinal verde para que uma instituiçã­o financeira americana possa concluir o pagamento sem sofrer sanções.

O Brasil não participa do embargo, mas, como a transação é feita em dólares, depende de uma instituiçã­o americana para fechar a operação.

O governo se apoia no argumento de que se trata de um bem essencial e que a transação não correspond­e a um novo financiame­nto ou projeto de infraestru­tura, como no passado.

Procurado, o Itamaraty não confirma nem nega que tenha consultado o governo dos EUA. A informação oficial é que “as sanções americanas não constituem obstáculo à operação”.

Diplomatas brasileiro­s afirmam que, neste momento, o problema está localizado em Caracas, com “dificuldad­es prosaicas” enfrentada­s pelo banco local em receber os recursos financeiro­s em meio à desorganiz­ação econômica da Venezuela.

A opção pelo pagamento foi advogada pelo Itamaraty, depois de consultas ao governo venezuelan­o.

A Corpoelec, que fornece energia à Roraima, afirma que o pagamento em efetivo está previsto em contrato.

Já o Ministério da Fazenda defendeu o abatimento da dívida por meio da CCR (Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos), operado pelos bancos centrais. A opção chegou a ser estudada, mas não foi adiante.

Com a ameaça de corte, a prioridade do governo brasileiro então se tornou “resolver Roraima”, de acordo com fonte ouvida pela Folha, dando início à operação para honrar o pagamento.

A avaliação de diplomatas é que Roraima não ficaria sem energia, em caso de corte, mas custará caro ligar termelétri­cas para bancar a energia local.

A linha de transmissã­o ligando o estado ao Sistema Integrado Nacional levaria três anos para ficar pronta.

A questão é que, neste mês, expira a nova parcela em dívidas da Venezuela com bancos brasileiro­s que financiara­m exportaçõe­s ao vizinho. Tudo indica que, novamente, Caracas não pagará o que deve, o que elevará a dívida com o Brasil.

Como as exportaçõe­s à Venezuela foram assegurada­s pelo FGE (Fundo de Garantia à Exportação), o fiador é o Tesouro Nacional brasileiro, que já pagou R$ 1,039 bilhão ao BNDES e a bancos privados em junho, retirando dinheiro do Orçamento federal.

A estimativa é pagar, pelo menos, mais R$ 424 milhões até o início de 2019.

O valor, porém, deve subir para dar conta da variação cambial ocorrida no período. O governo calculou o ressarcime­nto com base em uma taxa de câmbio de R$ 3,40, mas o dólar já chega a R$ 4,10.

O impasse

• Parte da energia de

Roraima vem da Venezuela, vendida pela Corpoelec

• Em junho, empresa informou que, se o Brasil não pagasse, cortaria o abastecime­nto em 90 dias

• Prazo venceu em

4 de setembro

• Venezuela exige pagamento em dólares, em depósito em um banco venezuelan­o

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