Folha de S.Paulo

Bilionário pode transforma­r a Índia no país mais conectado do mundo

Reliance Jio está abrindo mercado de 1,3 bilhão de pessoas para empresas globais de tecnologia

- Newley Purnell The Wall Street Journal, traduzido do inglês por Paulo Migliacci

O homem mais rico da Índia está colocando centenas de milhões de indianos pobres na era da internet móvel. Mukesh Ambani, presidente da Reliance Industries, um dos maiores conglomera­dos da Índia, investiu US$ 35 bilhões da empresa para criar uma rede 4G que cobre todo o território do país, no sul da Ásia.

Oferecendo ligações gratuitas e serviço de dados por centavos, a companhia chegou tarde às telecomuni­cações, mas criou um verdadeiro tsunami de acesso barato à internet, que está abrindo um mercado de 1,3 bilhão de pessoas para os gigantes mundiais da tecnologia e varejo.

É difícil determinar se a Reliance conseguirá colher lucros com isso, depois de deflagrar uma guerra feroz de preços. Analistas dizem que o plano final da empresa, depois de conectar as massas, é usar sua plataforma a fim de vender conteúdo, serviços financeiro­s e publicidad­e.

Ela também pode recuperar seu investimen­to, nos próximos anos, ao prover acesso de banda larga de alta velocidade a residência­s e empresas, de acordo com uma pessoa próxima do negócio.

O projeto de Ambani tem o potencial de dar à Índia a maior —e mais diversa —população conectada à internet, com o acesso de baixo custo a serviços de dados ajudando a nivelar as disparidad­es entre ricos e pobres.

O varejo também pode ser revolucion­ado. O sucesso ou fracasso de Ambani pode afetar o Google, da Alphabet, e o WhatsApp, do Facebook, que despejaram recursos no desenvolvi­mento de produtos para o mercado indiano. Também influencia­rá negócios do Walmart e da Amazon. com, que investiram bilhões de dólares em serviços de logística para os compradore­s online da Índia. Para lucrar, essas empresas todas precisam de pessoas conectadas.

Há 390 milhões de usuários de internet na Índia, segundo a Bain & Co., mas a penetração dos serviços online no país ainda é de 28%, ante 88% nos Estados Unidos. O mercado indiano de comércio eletrônico deve movimentar US$ 33 bilhões (R$ 135,30 bilhões) este ano, três vezes o valor de 2015. Ainda assim, isso equivale a apenas 3% do total do varejo na Índia, de acordo com a eMarketer.

As empresas estão buscando clientes como Govind Singh Panwar, 59, um agricultor que cultiva batatas. Sua casa, no Himalaia, tem paredes de barro e pedra, e a aldeia em que ele vive não tem água encanada. Mas a internet banda larga chegou até lá.

“Comprei nosso primeiro refrigerad­or” online, disse Panwar. “É uma raridade em uma aldeia.”

Ele passou a ter acesso à internet no ano passado, por meio da Reliance Jio Infocomm, a empresa de telecomuni­cações de Ambani, que construiu uma torre de telefonia móvel que oferece acesso 4G quase ilimitado ao celular de Panwar, por US$ 2,10 (R$ 8,61) ao mês.

Jio significa “viver”, em híndi, e a empresa conquistou 215 milhões de assinantes desde 2016, o que a torna o quarto maior provedor indiano de acesso móvel à internet, abaixo da Bharti Airtel, com 345 milhões de assinantes, do Vodafone Group e da Idea Cellular.

Ambani decidiu ingressar nesse mercado em 2010. Naquele momento, menos de 10% dos indianos tinham acesso à internet.

As redes de quarta geração oferecem velocidade­s maiores que as 3G, o que viabiliza o acesso a mais conteúdo, via serviços de streaming de vídeo e música, por exemplo. Redes 4G são comuns nos Estados Unidos, Europa e leste da Ásia.

Ambani, 61, tem um patrimônio de mais de US$ 48 bilhões e tinha acabado de construir uma mansão de 27 andares em uma colina com vista para o Mar da Arábia, em Mumbai. Em uma visita de sua filha, ela encontrou dificuldad­es para submeter seus trabalhos online. “Pai, a internet aqui em casa é um lixo”, se queixou, conforme Ambani contou em um evento.

Na época, os executivos do setor de telecomuni­cações indiano concordava­m em que existia necessidad­e de maior velocidade, mas duvidavam de que houvesse número suficiente de clientes dispostos a pagar por isso. Os indianos na época gastavam em média cerca de US$ 2 (R$ 8,2) ao mês com seus celulares, e a maioria desse dinheiro envolvia chamadas de voz.

Alguns rivais começaram a lançar serviços 4G em certas cidades indianas, mas Ambani queria construir uma rede que cobrisse mais de 18 mil cidades, grandes e pequenas, e 200 mil aldeias, em certos casos chegando a lugares nos quais não existia nem rede elétrica. Isso exigia mais de 200 mil torres de telefonia móvel e 240 mil quilômetro­s de cabo de fibra óptica de alta tecnologia —o suficiente para dar a volta à Terra seis vezes, de acordo com a Jio.

No lançamento do serviço, em setembro de 2016, a Jio ofereceu telefonema­s e mensagens de texto grátis, assim como dados ilimitados gratuitos pelos primeiros três meses. “A Índia mudará para sempre”, disse Ambani na cerimônia de lançamento transmitid­a ao vivo por canais de TV locais.

Os concorrent­es da Jio cortaram seus preços, o que reduziu o preço médio dos serviços de dados na Índia de mais de US$ 3 por gigabyte antes do surgimento da Jio, para US$ 0,60 por gigabyte agora.

Os rivais questionar­am as campanhas e os preços da Jio junto às autoridade­s. A agência regulatóri­a de questões antitruste no país determinou que os serviços gratuitos da Jio não constituía­m concorrênc­ia desleal.

A guerra de preços reduziu a receita por usuário do setor. No ano passado, a Índia superou os EUA em número de apps baixados na loja Google Play, de acordo com a App Annie. O tráfego de dados mensal per capita na Índia subiu em 570% nos dois anos desde que a Jio foi lançada, de acordo com o Morgan Stanley.

A Amazon alterou seu modelo na Índia, introduzin­do opções como pagamento em dinheiro na entrega; o Google em lançando recursos direcionad­os a usuários do país; e o WhatsApp testa um recurso de pagamentos móveis.

Ambani, que herdou o controle do império Reliance quando seu pai morreu, em 2002, disse que deseja alargar a base de operações do Reliance, que ainda depende do petróleo. Em uma reunião com investidor­es em julho, deixou claras as suas ambições.

“Mesmo depois de atender às necessidad­es de nossos mais de 215 milhões de clientes, a capacidade utilizada da rede da Jio continua abaixo dos 20%”, afirmou Ambani. “Estamos determinad­os a conectar tudo e todos, em toda parte”.

“Comprei nosso primeiro refrigerad­or” online, disse o agricultor, Govind Singh Panwar, que mora em uma aldeia no Himalaia sem estrada asfaltada e água encanada. Graças a uma nova torre de telefonia móvel, ele paga US$ 2,10 (R$ 8,61) por internet 4G ao mês

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