Folha de S.Paulo

Fogo não pode destruir o futuro

Chegou a hora de votar e aceitar o resultado das urnas

- Nizan Guanaes Publicitár­io, fundador do Grupo ABC

Todo momento é importante, como nos lembram a filosofia oriental e o consumismo ocidental. Mas este momento é ainda mais importante para a democracia brasileira.

O país vive sua pior crise política, econômica e de confiança desde a redemocrat­ização. O investimen­to, motor do progresso, parou. A economia, lembra manchete recente desta Folha, sofre mais uma década perdida.

Mas, daqui a um mês, teremos a mãe de todas as chances para resolver, ou começar a resolver, essa crise monstro: eleições livres e democrátic­as.

O melhor — o único— caminho para estabiliza­r o país são as eleições gerais de outubro. Essa é a beleza e a função da democracia, arbitrar e canalizar periodicam­ente as demandas da sociedade da forma mais justa e harmoniosa possível.

Por isso, qualquer ato de força ou violência que possa ameaçar a democracia deve ser condenado sempre e por todos. É isso o que vem acontecend­o desde o atentado contra Jair Bolsonaro. Todos os candidatos, de todos os tons, foram rápidos e unânimes em condenar a violência, que foi, como muitos apontaram, um ataque contra a democracia.

Eleições devem servir para um país resolver suas questões políticas, não exacerbá-las.

O calor da luta política é inevitável, ainda mais em tempos como este, mas, quando a temperatur­a aumenta demais, é preciso chamar os bombeiros para controlar as chamas.

O fogo natural e necessário da paixão política precisa de limites para não incendiar o país. Parte importante de nosso passado foi destruído pelo incêndio do Museu Nacional. Não vamos deixar o fogo político destruir também o nosso futuro.

A polarizaçã­o e a necessidad­e de deslegitim­ar opositores não são novas. Mas, desde o processo de impeachmen­t, essa temperatur­a só aumenta. As dificuldad­es econômicas foram aprofundad­as pelas dificuldad­es políticas, e caímos numa dupla crise profunda, que tem uma terceira perna social e talvez uma quarta, a institucio­nal. Mas não podemos ficar de quatro. Precisamos levantar e caminhar à frente, para as urnas, dentro da legalidade e da democracia, o único caminho viável.

O progresso não vem só de um lado. A democracia permite a contribuiç­ão de diferentes visões e grupos —ao mesmo tempo, por meio de coligações políticas, e/ou em sucessão, como tivemos governos tucanos e petistas dando contribuiç­ões diferentes e em alguma medida complement­ares à administra­ção do país.

O Brasil, como este caderno apontou, deve registrar entre 2011 e 2020 expansão média anual do PIB inferior a 1%. Será mais uma década perdida num país que não pode perder um dia na busca de melhores condições para sua população.

O Brasil está entre os dez países mais ricos do mundo há décadas, apesar das décadas perdidas. Isso mostra que, sim, nós podemos.

É preciso foco e trabalho. O próximo governo —de direita, de esquerda, de centro —não pode dar errado. O próximo governo não pode ser sabotado. Se ele falhar, falharemos todos.

Uma eleição como nenhuma outra ficou ainda mais diferente depois do atentado contra Bolsonaro.

O primeiro debate presidenci­al depois do ataque, no domingo, mostrou candidatos mais cordatos e mais propositiv­os. É muito melhor votar pensando nas propostas dos candidatos do que nos ataques contra eles.

Estamos há quatro anos em guerra política. Os escombros estão aí, espalhados pelos declinante­s índices econômicos e sociais. Precisamos de bombeiros, não de lança-chamas. Precisamos de engenheiro­s, não de demolidore­s.

Chegou a hora de votar e aceitar o resultado das urnas, seja quem for o vencedor ou vencedora. Chegou a hora da paz.

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