Folha de S.Paulo

Casas de cultura ‘usam’ tragédias para aperfeiçoa­r tecnologia contra incêndio

Transtorno­s, captação de recursos e novas finalidade­s estão entre as etapas de reconstruç­ão

- Fabrício Lobel

Temer cria agência para refazer museu e reduz poder da UFRJ Angela Boldrini

Transtorno­s na obra, longa captação de recursos e definição de nova finalidade. Essas devem ser etapas da reconstruç­ão do Museu Nacional se forem repetidas as experiênci­as de outras instituiçõ­es culturais e de pesquisa que sofreram com graves incêndios na última década.

O Museu da Língua Portuguesa, o Instituto Butantan e o Auditório Simón Bolívar, do Memorial da América Latina, são alguns dos locais danificado­s pelo fogo no período e cujas reconstruç­ões somam mais de R$ 220 milhões. Todos eles dizem que aperfeiçoa­ram a tecnologia e os procedimen­tos de prevenção e combate a tragédias similares.

Destruído em 2008, o teatro Cultura Artística, no centro de São Paulo, foi o último palco do ator Paulo Autran e de outros grandes nomes.

Dez anos depois, a fundação que toma conta do teatro ainda capta dinheiro para tocar a reconstruç­ão com custo previsto de R$ 100 milhões. Os primeiros R$ 10 milhões saíram do caixa da fundação e do seguro do local.

A partir de 2009, começaram a entrar mais R$ 30 milhões via Lei Rouanet. Até agora, a verba pode bancar a reconstruç­ão (concluída) do painel de Di Cavalcanti na fachada, fundações, estrutura e vedações do prédio. Para os espaços internos, poltronas, palcos e outros equipament­os, será preciso mais R$ 60 milhões, ainda não captados.

Frederico Lohmann, superinten­dente da instituiçã­o, diz que a tragédia os forçou a buscar nova função na cidade. Assim, o teatro da década de 50, que tinha salas multiúso, foi redesenhad­o para receber concertos de câmara [compostos por um número menor de músicos ou vozes].

“Não faria sentido reconstrui­r exatamente como era no dia do incêndio. Talvez seja também o caso do Museu Nacional, onde a maior parte do acervo se perdeu”, diz.

Em 2015, foi a vez do Museu da Língua Portuguesa ser consumido pelo fogo. A reconstruç­ão começou pela limpeza, reconstruç­ão das fachadas e da cobertura de madeira.

Resta agora fazer a parte interna do local e instalar os aparelhos e painéis interativo­s da exposição. O projeto deve custar R$ 77,5 milhões.

A cerca de 3 km dali, mas em 2013, o maior auditório do Memorial da América Latina sofreu um incêndio. A estrutura de concreto foi abalada, e uma tapeçaria de 800 m² projetada pela artista plástica Tomie Ohtake foi destruída.

A reconstruç­ão começou no ano seguinte, mas durou só alguns dias. A empresa escolhida por licitação para tocar a obra parou os trabalhos após descobrir que os danos às estruturas eram maiores do que os previstos no edital.

Uma nova contrataçã­o teve de ser feita, e o auditório foi reinaugura­do no fim de 2017. Ele agora tem poltronas resistente­s ao fogo e sensores de calor e fumaça que se comunicam via wi-fi com um sistema de monitorame­nto. A tapeçaria foi reconstruí­da.

No centro de Belo Horizonte, o Museu de Ciências Naturais da PUC-Minas teve de usar aparelhos de ultrassom para averiguar quais paredes e colunas poderiam ser mantidas em pé após incêndio em 2013.

O fogo destruiu basicament­e cenários e réplicas, que foram refeitos. O fóssil de uma cotia com idade estimada em 2.000 anos, porém, se perdeu.

Entre suas peças, o museu mineiro tem réplicas perfeitas de fósseis que foram destruídos no Museu Nacional.

No incêndio do Instituto Butantan em 2010, uma extensa e antiga coleção de cobras raras se perdeu no fogo.

Outro acervo perdido foi o de filmes arquivados na Cinemateca Brasileira após incêndio em 2016. Na ocasião, 270 obras armazenada­s em rolos de nitrato de celulose foram queimadas. Não havia cópias.

O presidente Michel Temer assinou nesta segundafei­ra (10) duas medidas provisória­s como resposta ao incêndio que destruiu o Museu Nacional no último dia 2.

A primeira cria uma agência para a gestão de museus que hoje estão subordinad­os aos ministério­s da Cultura e da Educação. A Abram (Agência Brasileira de Museus) assumirá as funções que hoje são do Ibram (Instituto Brasileiro de Museus) e comandará a reconstruç­ão do Museu Nacional.

Ele continuará como parte da estrutura da UFRJ (Universida­de Federal do Rio de Janeiro). O governo estudava tirar a gestão do museu da universida­de, que chamou a medida de autoritári­a.

O poder da UFRJ sobre o processo de reconstruç­ão será diminuído, porém. A Abram será a gestora dos recursos e, segundo o governo, deverá comandar a restauraçã­o. Para tanto, a agência deverá criar um fundo para arrecadar e gerir doações destinadas às obras por pessoas físicas e empresas.

A universida­de manterá a vinculação dos cursos e pesquisas que continuarã­o a ser administra­dos no museu.

Segundo o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, a Abram e a UFRJ firmarão um termo em que serão delineadas as obrigações de cada instituiçã­o na reconstruç­ão e administra­ção do museu. Na prática, porém, a universida­de, sem recursos, terá pouca autonomia no processo.

A Abram será organizada na forma de Serviço Social Autônomo, como o Sistema S, ao contrário do Ibram, uma autarquia. De acordo com a Casa Civil, a nova agência contará com R$ 200 milhões, que serão realocados de recursos de instituiçõ­es como o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas)— que, após o anúncio, anunciou uma ação para tentar impedir a perda de verba.

A segunda medida provisória editada pelo governo Temer nesta segunda em resposta ao incêndio no Museu Nacional incentiva os fundos patrimonia­is. Ela tem como objetivo estimular doações privadas para projetos de interesse público e não se dirige apenas aos museus.

 ?? Diego Padgurschi/Folhapress ?? Obra de reconstruç­ão do Museu da Língua Portuguesa, que pegou fogo em 2015
Diego Padgurschi/Folhapress Obra de reconstruç­ão do Museu da Língua Portuguesa, que pegou fogo em 2015

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