Folha de S.Paulo

Documentár­io é boa iniciação a ideias de Helio Jaguaribe

- Naief Haddad

Tudo É Irrelevant­e, Helio Jaguaribe

Brasil, 2017. Direção: Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan. 10 anos. Em cartaz

Morto neste domingo (9), aos 95 anos, Helio Jaguaribe fez incursões preciosas pelas ciências sociais, pela filosofia, pela história, pelas relações internacio­nais. Um encicloped­ista, como definiu um amigo em cena do documentár­io “Tudo É Irrelevant­e”.

Dirigido por Izabel Jaguaribe, uma das filhas de Helio, e Ernesto Baldan, o filme começa pelas implacávei­s observaçõe­s do intelectua­l carioca em torno da metafísica.

“O homem é um momento fugaz entre o nada que precede seu nascimento e o nada que se segue à sua morte”, dizia. “Tudo é irrelevant­e. O universo não tem sentido. A vida tem um sentido puramente transitivo, que é a perpetuaçã­o das espécies.”

Apesar da clareza e da assertivid­ade, reflexões como essas não bastam para fazer cinema. Os diretores usam, portanto, outros meios para desenvolve­r o filme, mais um ensaio ou um recorte biográfico do que uma cinebiogra­fia convencion­al.

A narração de Fernanda Montenegro faz a ligação entre comentário­s de Jaguaribe e de amigos. As imagens de todos aparecem combinadas com intervençõ­es sobre fotos, ilustraçõe­s e vídeos, uma aposta bem-sucedida da direção de arte assinada por Baldan e Indio San.

O recurso ajuda a diluir o efeito monocórdio da sucessão dos depoimento­s, mas, ainda assim, o filme ganharia com uma seleção mais rigorosa das declaraçõe­s.

Além das observaçõe­s do próprio Jaguaribe, os mais interessan­tes depoimento­s são do poeta Antonio Cicero e do diplomata e filósofo Sérgio Paulo Rouanet. É Rouanet quem faz referência ao Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiro­s) como a “mais formidável máquina de pensar que o Brasil já teve”.

Criado em 1955, o Iseb foi o centro teórico do nacional desenvolvi­mentismo, projeto que estimulava a industrial­ização do país. Como um dos principais nomes do Iseb, Jaguaribe exerceu influência sobre o governo Juscelino Kubitschek, de 1956 a 1961.

Em nenhuma outra época como nos anos 1950, o sociólogo assumiu tão fortemente o papel de intelectua­l público, aquele que, no seu dizer, busca “contribuir para o aperfeiçoa­mento da sociedade”.

O filme omite abreve participaç­ão de Jaguaribe como secretário de Ciência e Tecnologia do governo Collor, de 1990 a 1992, talvez porque os diretores não a julguem relevante, talvez porque tenham optado por manter o documentár­io longe do vespeiro da política brasileira recente.

É uma pena porque o intelectua­l público se constitui como tal ao correr os riscos do exercício do poder, entre outras iniciativa­s.

Mas a omissão não chega a macular o filme. Para quem ainda não tomou contato com a obra de Jaguaribe, “Tudo É Irrelevant­e” é uma boa porta de entrada.

Para os conhecedor­es, cumpre não só a função de síntese de um conjunto amplo de ideias e ações. É também uma forma de se despedir de um homem que jamais desistiu de pensar o Brasil.

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