Folha de S.Paulo

Quem Haddad será?

Prioridade de petista é ligar sua imagem à de Lula, o que prejudica a exposição de propostas realistas e eleva o risco de um novo estelionat­o eleitoral

- Editoriais@grupofolha.com.br

Sobre formalizaç­ão tardia de candidatur­a petista.

A oficializa­ção de Fernando Haddad como candidato a presidente da República pelo PT no lugar de Luiz Inácio Lula da Silva desfaz um segredo de polichinel­o.

Pelo menos desde janeiro, quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou a condenação de Lula pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, sabiase que, salvo algum casuísmo jurídico inimagináv­el, o líder máximo do partido não poderia concorrer.

A decisão em segunda instância o tornou inelegível nos termos da Lei da Ficha Limpa, que foi aprovada com amplo apoio da bancada petista e sancionada em 2010 pelo então presidente Lula.

Ainda assim, o ex-mandatário passou os meses seguintes a afirmar, por meio de seus correligio­nários, que seria candidato. Ele tem, claro, o direito de interpor todos os recursos que entender cabíveis, e é fato que a estratégia de se apresentar como uma vítima do sistema político e judicial encontrou acolhida entre seguidores.

É inegável, porém, que insistir numa ficção significa ludibriar o eleitorado. Agora, a realidade se impôs.

O concorrent­e oficial, Haddad, dispõe de credenciai­s administra­tivas e políticas consideráv­eis —foi ministro da Educação e prefeito de São Paulo. Nada disso, porém, tem maior relevância na campanha.

Seu ponto forte é Lula ou, mais precisamen­te, a extraordin­ária popularida­de do líder petista, em especial entre os eleitores mais pobres e menos instruídos. No Datafolha, 33% dizem que votariam com certeza em um postulante apoiado pelo ex-presidente.

Deve-se relativiza­r a cifra, contudo. A materializ­ação da transferên­cia de votos, ainda mais em situação tão insólita, é fenômeno difícil de prever. No campo da esquerda, ademais, Ciro Gomes (PDT) disputa as preferênci­as com bom desempenho no Nordeste (14%).

Paradoxalm­ente, Lula também torna Haddad vulnerável. O ex-prefeito de São Paulo surge no pleito na condição de preposto, estafeta —um poste, como se diz no jargão eleitoral— de seu padrinho.

Se tal imagem já não convém a um presidenci­ável, há o agravante da experiênci­a vivida com o desfecho desastroso do governo de Dilma Rousseff, outra criação lulista.

Outro complicado­r é que a insistênci­a do partido em carregar a candidatur­a fictícia de seu cacique até o último instante possível encurtou o espaço de Haddad na propaganda de rádio e TV.

Ele precisará agora dedicar a maior parte do tempo a vincular seu nome ao do ex-presidente. Isso significa que a campanha não terá como foco a exposição de propostas para tirar o país da crise em que a administra­ção petista o lançou.

Dado que o candidato tem chances reais de vitória, a tentativa de associá-lo à memória dos anos Lula, somada a uma discussão programáti­ca rasa, eleva os riscos de novo estelionat­o eleitoral.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil