Folha de S.Paulo

A escolha de Haddad

- Matias Spektor Professor de relações internacio­nais na FGV. Escreve às quintas

Fernando Haddad começou a testar o modelo de relações exteriores inventado pela campanha presidenci­al de Lula em 2002: para reverter a ojeriza de bancos de investimen­to e agências de rating, o líder da chapa faria um compromiss­o com o mercado.

A estratégia começou há três semanas, quando Haddad vazou as primeiras notícias à imprensa de suas conversas reservadas com grandes bancos internacio­nais. Na terça (11), Kennedy Alencar plantou o nome de Marcos Lisboa para ministro da Fazenda. Nesta quarta (12), a Bloomberg publicou texto elogioso às supostas credenciai­s do candidato junto ao mercado financeiro.

Ciente da relação umbilical entre expectativ­as de mercado e postura geopolític­a, Haddad ainda começou a repetir que, diferentem­ente do que dizem Gleisi Hoffmann e a burocracia de seu partido, Venezuela e Nicarágua estão longe ser democracia­s.

Para essa estratégia vingar, Haddad teria de rasgar a plataforma de política externa do PT. Ele tiraria do barco os economista­s da Unicamp que o assessoram e nomearia uma figura pró-mercado para liderar a equipe. Essa pessoa montaria uma agenda pública de reuniões com investidor­es estrangeir­os, funcionári­os do governo americano e técnicos graúdos do FMI (Fundo Monetário Internacio­nal).

Além disso, Haddad enviaria um emissário a Buenos Aires para tirar foto com o chefe de gabinete de Mauricio Macri. Ao sair da Casa Rosada, o assessor diria à imprensa que seu candidato fará tudo para evitar uma crise de confiança capaz de desatar a crise de economias emergentes, para a qual o Fundo começou a alertar há menos de uma semana.

Foi isso que Lula fez com disciplina entre maio e outubro de 2002. Mobilizou dois operadores graúdos —Antonio Palocci e José Dirceu— e, com isso, obteve o apoio da embaixada americana.

À época, Lula precisou desautoriz­ar ou silenciar aqueles que, dentro do PT, davam pitacos alternativ­os a observador­es estrangeir­os, como o candidato ao Senado Aloizio Mercadante.

A alternativ­a de Haddad é usar o modelo Dilma em 2014: manter a rota atual com obstinação, deixando intactas as teses esdrúxulas do partido sobre situação fiscal do país. Nesse mundo, ele continuari­a dizendo que reverterá as reformas de Temer e que irá mesmo convocar um plebiscito popular sobre capital estrangeir­o no pré-sal.

Qual escolha Haddad fará é impossível de prever. Aquela feita por Lula no passado é a mais custosa, mas também a única que permitiria a ele, ganhando a eleição, assumir o governo tendo algum chão.

Seja qual for a alternativ­a escolhida, ela definirá o risco político global do Brasil durante este ciclo eleitoral.

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Benett

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