Cabe saber se há atividade partidária, afirma conselheiro
Negócios imobiliários de tucano e seus familiares, como empresa dona de 42 imóveis, são investigados
O conselheiro do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, que pediu investigação sobre promotores e procuradores por iniciativas recentes contra candidatos, disse que se surpreendeu com a reação dos membros da Lava Jato.
“Até me surpreende que eles se manifestem contrariamente a esse atestado de regularidade”, disse à Folha, afirmando que os procuradores terão a oportunidade de demonstrar a idoneidade de seus atos.
Nesta quarta (12), a forçatarefa da Lava Jato afirmou que a investigação no CNMP é comparável a uma mordaça.
“Sem dúvida, o mérito das ações só compete ao Judiciário. O que cabe ao CNMP é saber se eventualmente seus membros estão desempenhando atividade políticopartidária, que pode ser representada através de aceleração ou retardamento proposital de determinada iniciativa”, rebateu Bandeira.
O conselheiro ocupa no órgão há um ano uma cadeira destinada ao Senado —onde é secretário-geral.
Afirmou que o fato de ter sido ele o autor do pedido de investigação não deve causar estranheza. “Talvez seja justamente por ser um membro externo que eu posso tocar em determinadas feridas com mais facilidade.”
As operações deflagradas nesta semana no Paraná que levaram à prisão temporária do ex-governador Beto Richa (PSDB), atual candidato ao Senado, e de sua mulher, Fernanda Richa, colocam os negócios imobiliários da família, tradicional herdeira política do estado, sob suspeita.
Tanto a força-tarefa da Operação Lava Jato quanto o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), ligado ao Ministério Público Estadual do Paraná, se debruçam sobre empresas pertencentes ou em sociedade com o político, sua mulher e os filhos do casal, que possuem dezenas de imóveis em Curitiba e região.
A suspeita é que parte das transações imobiliárias feitas pelo grupo serviu para lavar dinheiro ilícito, obtido com a cobrança de propinas em obras públicas do governo do Paraná. O ex-governador, candidato ao Senado, é apontado por ambos os órgãos como “chefe” e “principal beneficiário” de esquema criminoso de arrecadação de recursos indevidos. Já Fernanda seria a “auxiliar” na lavagem de dinheiro, por meio das empresas nas quais é sócia.
O caso, porém, ainda está sob investigação, e não houve indiciamento nem acusação formal contra o ex-governador. Por isso, as operações foram consideradas pela defesa uma medida oportunista e excessiva, em meio à campanha. Richa nega as suspeitas, afirma que seu patrimônio é lícito e diz estar sofrendo um “julgamento antecipado”.
Em julho, após idas e vindas por decisões judiciais, a força-tarefa da Lava Jato instaurou um procedimento investigativo para apurar eventual crime de lavagem por Richa, que leva em consideração que a maior parte das 11 empresas da família (ativas e inativas), além de ocupar os mesmos endereços, não tem empregados, “indicando que ao menos parte dessas empresas não possui atividade real”.
Um parecer do órgão, que investiga o suposto pagamento de propina no contrato da rodovia PR-323 pela Odebrecht, também aponta “um incremento patrimonial significativo nas empresas relacionadas aos familiares”, em especial de 2013 a 2017, período em que era governador.
A Ocaporã Administradora de Bens, uma sociedade entre Fernanda e os filhos, que era dona de 42 imóveis em 2014 (entre apartamentos, lotes em condomínios, salas comerciais e garagens), é alvo preferencial da investigação —e também aparece no inquérito do Gaeco, que apura suspeitas de fraude à licitação em um programa de estradas rurais no Paraná.
Os promotores mencionam permutas de terrenos feitas pela Ocaporã em Curitiba, o que seria uma “prática sistemática” da família. Segundo a investigação, em um dos casos, houve uma “absoluta desproporção” entre os imóveis permutados em favor da Ocaporã, tanto em área quanto em valor de mercado, o que corrobora a suspeita levantada por um delator, Tony Garcia, de que a empresa tenha feito um pagamento “por fora” de R$ 900 mil, não documentado na matrícula do imóvel.
O inquérito liga a transação à negociação de percentuais em uma licitação estadual, realizada entre 2012 e 2014. Mas não há provas do suposto pagamento em dinheiro, que está sob averiguação.
A Promotoria considerou a prisão temporária dos investigados necessária para garantir a isenção dos depoimentos e minorar a influência do grupo sobre testemunhas, o que foi acatado pela Justiça.
O MPF ainda cita outra empresa da família Richa, a BFMAR Participações, pertencente a Fernanda e aos filhos, que desde 2013 declara “expressivos valores” no exterior: em 2017, eram R$ 11,5 milhões em participação na offshore Discovery Express, situada nas Ilhas Cayman.
A defesa do ex-governador nega irregularidades. Em nota, Richa afirmou que está com “a consciência em paz” e que, “no devido tempo, a verdade sempre se impõe”.
O advogado de Fernanda Richa, Eduardo Sanz, afirmou que só o fato de o nome de Fernanda “constar no quadro societário” das empresas não justifica suspeitas de lavagem.