Folha de S.Paulo

Emails expõem elos da Camargo Corrêa no Peru

Correspond­ência indica doação de empreiteir­a à campanha vitoriosa do ex-presidente Alan García para obter negócios

- Milagros Salazar Herrera e Gonzalo Torrico Convoca e Investiga Lava Jato (investigal­avajato.convoca.pe); tradução de Clara Allain

Emails de executivos da construtor­a Camargo Corrêa no Peru e no Brasil revelam o plano da empresa de contribuir para a campanha eleitoral do segundo turno em favor do expresiden­te peruano Alan García, em 2006, com o propósito de garantir negócios no país.

Os emails divulgados pela primeira vez no Peru aparecem entre os documentos apreendido­s pela Polícia Federal na operação Castelo de Areia aos quais o site noticioso Convoca.pe teve acesso em parceria com a Folha, como parte da rede de jornalista­s Investiga Lava Jato.

Os documentos evidenciam o modus operandi da construtor­a, também investigad­a na operação Lava Jato, para que Alan García pudesse ser um aliado quando chegasse ao poder. A empresa e suas consorciad­as se beneficiar­am com mais de US$ 450 milhões em contratos fechados após García ser eleito em 2006.

Um dos emails mais reveladore­s foi enviado às 11h do dia 1º de maio de 2006 pelo representa­nte máximo da Camargo Corrêa no Peru, Marcos de Moura Wanderley, com o título Eleições Peruanas.

Alan García Pérez, o candidato do Apra e que já havia sido presidente do Peru nos anos 1980, havia passado para o segundo turno das eleições presidenci­ais e enfrentari­a o esquerdist­a Ollanta Humala. Estava a poucas semanas de ser eleito chefe de Estado pela segunda vez .

Um novo cenário com García exasperava Marcos Wanderley. A construtor­a não havia contribuíd­o para a candidatur­a dele no primeiro turno e, conforme disse Wanderley, tinha conhecimen­to da proximidad­e de García com sua concorrent­e, a Odebrecht.

“Isso de certa forma nos ‘queimou’ nos círculos mais íntimos do Apra”, escreveu Wanderley a Carlos Fernando Namur, diretor de infraestru­tura internacio­nal da Camargo Corrêa em São Paulo.

“Precisamos reverter essa situação. Lembro a você que Alan não é como [Alejandro] Toledo (presidente do Peru entre 2001 e 2006). Ele é autoritári­o e tem uma linha de poder bem definida. Você imagina no futuro próximo não sermos ‘amigos’ do rei?”, escreveu Wanderley.

Entre outros documentos, o Convoca.pe teve acesso a uma anotação reveladora feita em maio de 2006, poucos dias depois dos e-mails de Wanderley: “INT. Político. GIP. García. 50.000. Campanha. [visto]”.

A Polícia Federal apreendeu esse bilhete na casa de Pietro Giavina-Bianchi, acusado de ser a pessoa que pagava as propinas da Camargo Correa e seu financiame­nto oculto de campanhas eleitorais.

No email de 1º de maio de 2006, Wanderley menciona um contato para chegar ao ex-presidente García: a construtor­a peruana Upacá, com a qual em 2004 a Camargo Corrêa formou o Consórcio Chiclayo, que lhe permitiu receber projeto de melhoramen­to de rodovia no norte do Peru. Contratada por US$ 20,2 milhões (R$ 83 milhões), a obra acabou custando US$ 28,5 milhões (R$ 118 milhões).

Em 25 de abril de 2006 Wanderley indicou a Namur que essa aliança com a Upacá, “cujos proprietár­ios são muito ligados ao partido aprista e em especial a Alan García”, era uma forma de “entrada econômica”. O email menciona que os donos da construtor­a peruana “são íntimos de Alan (o pai de Luis)”.

Em email prévio desse mesmo dia, o ex-gerente comercial da Camargo Corrêa, Aristótele­s Moreira, comunicou a seu chefe Wanderley:

“Nosso sócio, Lucho, insistiu (na nossa última conversa) que é a segunda vez que ele traz o recado (do operador) pedindo apoio [...]. Se apoiar espontanea­mente já é indispensá­vel, imagine apoiar atendendo a pedido!”

O cruzamento de informaçõe­s indica que “Lucho” é Luis Felipe Piccini Delgado, que em 2006 era gerente geral da Upacá. Seus tios e seu pai, Luis Felipe Piccini Martin, já tinham tido contato com García antes.

“Minha relação com a família Piccini é uma relação de amizade de muito tempo atrás”, declarou García em 1990 à comissão do Congresso que investigou suas finanças após seu primeiro mandato presidenci­al (1985-1990).

Nesse período a Upacá conseguiu contratos com o Estado no valor de US$ 14,5 milhões (R$ 60 milhões). No ano passado, ela foi apontada por um colaborado­r como integrante do “Clube da Construção”, um cartel de 30 empresas que supostamen­te repartiria as obras licitadas pelo Ministério dos Transporte­s do Peru.

Em relação aos emails, a Camargo Corrêa assinalou que a operação Castelo de Areia foi “julgada ilegal e inválida, de modo definitivo, pelo Supremo Tribunal da República do Brasil”. A construtor­a não respondeu nada sobre a contribuiç­ão a Alan García.

O Convoca procurou a versão de Marcos Wanderley por meio do advogado dele no Peru. A resposta obtida foi: “O sr. Marcos Wanderley e sua defesa não reconhecem os emails sobre os quais nos foi perguntado, eles não trabalham no arquivo em Lima e não existem no arquivo no Brasil”.

Por meio de seu advogado, Alan García informou que não falará sobre o assunto. Porém, depois de o Convoca.pe ter publicado este artigo em espanhol em 9 de setembro, ele disse em sua conta em uma rede social que esses emails eram uma “especulaçã­o” de “alguns brasileiro­s”.

“Nunca contribuír­am nada para minha candidatur­a”, ele disse, sem responder às perguntas subjacente­s.

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Guadalupe Pardo-27.mar.18/Reuters Alan García fala a jornalista­s ao chegar à sede da Procurador­ia Nacional peruana, em Lima

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