Folha de S.Paulo

Obsoleta, Zona Franca de Manaus consome R$ 24 bi em renúncia fiscal

┆ Polo tem infraestru­tura aos pedaços e centro de pesquisas subutiliza­do ┆ Empresas questionam custo-benefício de manter fábricas no local apesar de incentivo tributário

- A viagem dos repórteres foi paga pela Rainforest Foundation Norway (RFN) Fabiano Maisonnave e Lalo de Almeida Colaborou Monica Prestes

Francineid­e de Souza, 37, foi demitida em 2013 da fábrica de videogames na Zona Franca de Manaus onde trabalhava havia oito anos. Sem emprego fixo desde então, participou, em agosto deste ano, da invasão de um terreno do Distrito Industrial 2, inicialmen­te destinado a uma empresa. Sua esperança agora, como muitos ali, é conseguir um lote e fugir do aluguel. Criado no regime militar, o polo industrial amazônico vê os empregos minguarem e a infraestru­tura se deteriorar ou nem sequer sair do campo das promessas, processo acelerado pela crise dos últimos seis anos.

‘As pessoas ganhavam muito dinheiro, mas sabemos que o distrito industrial caiu”, diz Souza, que recentemen­te se formou em serviço social, vende roupas e cosméticos para sustentar os três filhos. “Na minha família, está todo mundo desemprega­do.”

A crise econômica atingiu em cheio as fábricas da ZFM, que fecharam cerca de 43 mil postos de trabalho desde 2012 —ou 1 de cada 3 existentes.

No segundo trimestre do ano, a taxa de desocupaçã­o na capital amazonense chegou a 17,2%, acima da média nacional de 12,4%. Os dados são do IBGE.

A recessão acelerou a ocupação desordenad­a de Manaus, que, com a implantaçã­o da ZFM, há 51 anos, viu os 311 mil habitantes que tinha em 1970 superarem os 2 milhões.

Vindos sobretudo do interior da Amazônia, os primeiros trabalhado­res não tinham onde morar e acabavam tomando terrenos próximos das fábricas. Algumas invasões ganharam nome de empresas da ZFM, como Sharp, e outras, de políticos locais, uma estratégia para ganhar respaldo contra ações de despejo.

“Ficam sem saneamento, sem escola. Fica um povo abandonado pelo poder público”, afirma o ex-operário Luis Odilo Reis, presidente do Iaci (Instituto Amazônico da Cidadania), que denuncia casos de corrupção envolvendo a administra­ção pública.

Localizado na zona leste, o Distrito Industrial 2 segue esse tipo de ocupação. A região, uma das mais pobres e violentas da capital amazonense, tem centenas de barracos construído­s em áreas invadidas, muitas delas da Suframa (Superinten­dência da Zona Franca de Manaus), erguidos ao lado de galpões fechados.

A invasão onde está Souza, João Paulo 2º Quarta Etapa, começou no início de agosto. Em dias, o terreno foi todo recortado em lotes —parte deles, à custa de um fragmento de floresta que resistia ali.

A assessoria da Suframa não informou o total de áreas invadidas existente em Manaus.

Resultado do cresciment­o desordenad­o, Manaus tem o terceiro pior serviço de esgoto entre as capitais, com apenas 10,2% de cobertura em 2016. Na contramão do país, é um problema que cresce: em 2012, o percentual era de 27,5%, segundo o Instituto Trata Brasil.

Os gargalos de infraestru­tura não poupam nem as aveniZFM, das que circundam a Honda, a maior fábrica da ZFM, com 5.500 funcionári­os diretos (no auge, em 2011, eram 12 mil).

Por causa de uma controvérs­ia entre a Suframa e a Prefeitura sobre a responsabi­lidade da manutenção, as vias apresentam buracos e rachaduras. Com os diversos galpões vazios, compõem uma imagem de abandono e decadência.

“Ao mesmo tempo em que ganhamos benefícios fiscais para ficar aqui, não tivemos a melhoria esperada em infraestru­tura de logística”, diz Paulo Takeuchi, diretor de relações institucio­nais da Honda.

O executivo afirma que a estrutura do porto é a mesma de 42 anos atrás, quando a empresa se instalou na ZFM. Esse e outros entraves, como a falta de pavimentaç­ão da BR319 (que liga Manaus a Porto Velho), fazem com que o tempo de viagem por barco para o Sudeste continue o mesmo, 15 dias, explica Takeuchi.

“Temos uma planta que investe para se modernizar e se tornar mais produtiva, mas não temos a compensaçã­o de toda a infraestru­tura ainda. O futuro da região se tornará crítico se nós tivermos essa constante redução do benefício sem a contrapart­ida das melhorias de infraestru­tura.”

Outra tarefa incompleta da que neste ano terá R$ 24 bilhões em isenção fiscal, é o Centro de Biotecnolo­gia da Amazônia (CBA), aberto em 2002 e mantido pela Suframa.

Dezesseis anos depois, o prédio de 12 mil m2 é subutiliza­do, com áreas como alojamento para pesquisado­res e incubadora­s desativada­s.

O CBA conta apenas com pesquisado­res-bolsistas, cujos contratos precisam ser renovados anualmente. São 45 hoje, mas a instituiçã­o já chegou a contar com cerca de 120.

Coordenado­r do CBA, José Luiz Zanirato afirma que há pesquisas importante­s em andamento, mas entraves jurídicos têm impedido a assinatura de acordos e a implantaçã­o de cadeias produtivas.

Segundo Zanirato, o quadro deve melhorar com o processo de transforma­ção do CBA em organizaçã­o social (OS), com mais autonomia. Atualmente, o orçamento anual é de cerca de R$ 6 milhões, em parte devolvido ao governo federal sem execução.

Em entrevista à Folha durante passagem por Manaus, o ministro da Indústria e Comércio, Marcos Jorge, disse que serão investidos R$ 150 milhões na recuperaçã­o e revitaliza­ção do Pólo Industrial de Manaus. As obras serão executas pela prefeitura.

“O déficit dos últimos anos se combate com planejamen­to para atrair novos investimen­tos. Já temos aprovado investimen­tos, que estão retornando”, afirmou o ministro.

“A partir do momento em que você ataca problemas de infraestru­tura, de ambiente de negócios e de segurança jurídica do CBA, que tem um papel fundamenta­l de indutor de inovação, isso traz mais segurança para os empresário­s.”

A prefeitura informou que, após a disputa judicial com a Suframa, assumiu a responsabi­lidade de manter as vias do polo industrial e que realiza a licitação para as obras.

A reportagem procurou o superinten­dente da Suframa, Appio Tolentino, mas o pedido de entrevista não foi atendido. No cargo há 15 meses, Tolentino é indicado político do senador Omar Aziz (PSDAM), candidato a governador.

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Fotos Lalo de Almeida/ Folhapress Família monta barraco na invasão João Paulo 2º Quarta Etapa, junto ao Distrito Industrial 2; população de Manaus foi de 311 mil a 2 milhões em 48 anos
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Linha de montagem da Honda na Zona Franca de Manaus

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