Folha de S.Paulo

Alta tensão no voto, baixa no PIB

Alta de juros e dólar vão rebaixar previsões de cresciment­o

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

Caso persistam os sintomas, não haverá médico que evite estrago ainda maior na economia neste resto do ano e no começo do próximo.

O aperto financeiro que vem mais ou menos desde julho, alta de dólar e juros na praça, deve derrubar um tanto mais o cresciment­o de 2018 e contaminar pelo menos o começo de 2019.

O arrocho acontece devido à piora na economia mundial e a problemas domésticos.

Pelo menos a metade do problema teria origem caseirinha: governo cada vez mais quebrado, incerteza eleitoral, temor de vitória de candidatos sem capacidade ou desejo de dar um jeito nas contas públicas.

A combinação de tumulto lá fora com maus presságios aqui provocou desvaloriz­ação do real e altas das taxas de juros básicos nos negócios do atacadão de dinheiro, o que encarece financiame­ntos para empresas.

Mais um mês ou dois de aperto vai sufocar ainda mais a atividade econômica.

Economista­s que previam cresciment­o do PIB (Produto Interno Bruto) de 1,3% podem revisar a projeção para 1%; outros que davam o chute informado de 1,1% podem limar a previsão até 0,8%.

Parece preciosism­o ridículo se ocupar dessas casas decimais. Na prática, esses ticos a menos de PIB têm alguma relevância, embora o cidadão médio não deva perceber a diferença, quase se afogando com a água pela altura da boca ou do nariz.

Para começar, dois anos seguidos de PIB crescendo a 1% significam praticamen­te estagnação da renda (PIB) per capita, pois a população cresce a 0,8% ao ano, por aí.

Logo, no começo de 2019 estaríamos ainda no fundo do poço em que caímos até o final de 2016.

Mais relevante, a persistênc­ia do aperto financeiro ameaça o primeiro trimestre de 2019. Nem é preciso que o Banco Central chancele a alta de juros que já ocorre na praça financeira. Mas pode piorar se assim for.

Na opinião majoritári­a de gente consideráv­el no “mercado”, não haveria ainda motivo para o BC elevar a Selic.

No entanto, caso a alta do dólar seja persistent­e, com a moeda americana subindo os degraus de R$ 4,20, R$ 4,40, sem sinal de repouso, pode ser que se abra o dique de repasses da desvaloriz­ação do real para os preços no varejo. No atacado, os preços já estão pressionad­os.

Nada disso ainda aconteceu, em parte pelos piores motivos: estagnação, desemprego quase imóvel nas alturas, ociosidade enorme de máquinas e equipament­os. Mas o destino de país tumultuado está de novo batendo à nossa porta na verdade já meio arrombada.

Alta de juros em um país com a economia no fundo do poço, uns 7% abaixo do nível de 2014, é uma perspectiv­a sinistra. O antídoto é, em parte, óbvio. Seja lá qual for seu plano, o candidato tem de apresentar uma alternativ­a crível para o problema do déficit persistent­e nas contas do governo e para a dívida que ora cresce sem limite.

Algumas candidatur­as têm déficit de crédito nesse aspecto. Mesmo que deem “sinais” de que vão enfrentar a crise fiscal, não vai bastar. Terão de ser claras, o quanto antes. Ainda assim, nestes casos, as dúvidas vão se dissipar apenas quando houver nomes para as equipes econômicas, o que pode demorar até novembro ou dezembro.

Além do mais, quanto mais tarde se falar a sério sobre o assunto, maior o risco de percepção de estelionat­o eleitoral.

O choque causado por Dilma Rousseff reeleita, na virada de 2014 e 2015, contribuiu para abalar a confiança e foi um dos tantos fatores que engrossara­m a recessão medonha.

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